TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
619 acórdão n.º 176/21 K. Por Decisão Sumária n.º 80/2020, a Exma. Juíza Conselheira Relatora decidiu que constituirá objeto da questão da constitucionalidade a conhecer nos presentes autos a seguinte: “interpretação normativa, extraída do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida pelo Tribunal da Relação no âmbito do incidente sobre a quebra do sigilo profissional”. L. O dever de segredo (ou de sigilo) profissional da CMVM, previsto no artigo 354.º do CdVM e no artigo 14.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, impõe-se aos titulares dos órgãos das entidades reguladoras, ao seu pessoal, aos respetivos prestadores de serviço e colaboradores, relativamente a todos os assuntos que lhe sejam confiados ou de que tenham conhecimento por causa do exercício das suas funções, e aplica-se trans- versalmente a todas as entidades administrativas independentes, qualquer que seja a área da economia objeto de regulação, visando, em primeira linha, assegurar a confiança dos regulados e supervisionados e, bem assim, a eficácia da supervisão. M. A imposição à CMVM, enquanto entidade de supervisão do mercado de instrumentos financeiros, de um dever de segredo profissional assume-se também como a transposição para o direito interno português de várias normas que, no quadro da regulação europeia do mercado de instrumentos financeiros, impõem aos Estados-membros da União Europeia que as respetivas autoridades de supervisão fiquem sujeitas a uma obrigação de guardar segredo profissional [cfr. artigo 76.º da Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, artigo 25.º da Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de dezembro de 2004, bem como, por aplicação direta, o artigo 27.º do Regulamento (UE) n.º 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014 e o artigo 35.º do Regulamento (UE) 2017/1129 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017]. N. A relevância do segredo profissional das autoridades de supervisão do mercado de instrumentos financeiros está bem evidenciada nos acordos de cooperação internacional entre as diferentes autoridades de supervisão, que impõem um dever de confidencialidade para a troca das informações (assim veja-se o artigo 11.º do Mul- tilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Infor- mation da IOSCO e o artigo 7.º do Multilateral Memorandum of Understanding on Cooperation Arrangements and Exchange of Information da ESMA). O. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a propósito do artigo 54.º da Diretiva 2004/39/CE do Parla- mento Europeu e do Conselho de 21 de abril de 2004 (que o artigo 354.º do CdVM transpõe para a ordem jurídi- ca interna), referiu já precisamente que “[o] funcionamento eficaz do sistema de controlo da atividade das empresas de investimento, baseado numa supervisão exercida no interior de um Estado-Membro e na troca de informações entre as autoridades competentes de vários Estados-Membros, tal como foi sucintamente descrito nos números anteriores, requer que tanto as empresas controladas como as autoridades competentes possam estar seguras de que as informações confidenciais fornecidas conservarão, em princípio, o seu caráter confidencial (v., por analogia, acórdão Hillenius , 110/84, EU:C:1985:495, n.º 27)” (acórdão do TJUE proferido no Processo C-140/13). P. Tendo em conta as atribuições de supervisão da CMVM (cfr. artigo 353.º do CdVM) e as entidades sujeitas à sua supervisão (cfr. artigo 359.º do CdVM), tal segredo profissional abrange factos ou elementos que se encontram sujeitos a diferentes tipos de segredo: (i) ao segredo bancário, (ii) ao segredo empresarial, e (iii) ao segredo das próprias autoridades supervisoras, o dito segredo «prudencial», imposto à autoridade supervisora do setor financeiro e às pessoas que aí trabalham. Q. Desde logo, o segredo profissional da CMVM pode abranger factos ou elementos que se encontram sujeitos a segredo bancário (o qual, nos termos do disposto nos artigos 361.º, n.º 2, al. a) do CdVM e 79.º, n.º 2, al. b) , do RGICSF, não é oponível à CMVM): é o caso da informação recolhida pela CMVM junto, por exemplo, dos intermediários financeiros (instituições de crédito ou empresas de investimento). R. Mas o segredo profissional da CMVM pode também abranger factos ou elementos que, não estando sujeitos a segredo bancário, ainda assim se encontram sujeitos a segredo comercial, industrial ou da vida interna das empresas ou a segredo de supervisão em sentido estrito: pode ser o caso da informação recolhida pela CMVM, por exemplo, junto de emitentes de valores mobiliários ou de investidores qualificados (que não se encontrem sujeitos a segredo bancário).
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