TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

617 acórdão n.º 176/21 VIII– A CMVM é uma pessoa coletiva pública, vinculada ao princípio da legalidade e à prossecução do interesse público, não sendo, por isso, comparável com entidades privadas; não é à CMVM que cabe a decisão sobre a observância ou a dispensa do segredo a que por lei está obrigada, pelo contrário, a mera autorização dos operadores no mercado é suficiente para a desvincular do dever de guardar o segredo; quando é determinada a quebra de segredo, levantando, portanto, o dever de sigilo, a CMVM não vê restringido qualquer direito, limitando-se a ficar desonerada de um dever que lhe é imposto por lei numa dada situação concreta, não se podendo encontrar uma imposição constitucional de existência de recurso por violação de um direito fundamental de que a CMVM não é titular. IX – No que respeita à dimensão de tutela do segredo estabelecido em função do interesse público prosse- guido pelo regulador, em cuja atividade releva de forma particular uma ideia de proteção da confiança, de realçar será que, tal como o segredo bancário, também o segredo profissional imposto à CMVM, enquanto entidade de supervisão do mercado de instrumentos financeiros, tem um carácter relativo, cedendo perante outros direitos, nomeadamente o da realização da justiça; constituindo um dever de silêncio inquestionável, não tem, porém, um carácter absoluto, podendo e devendo ceder perante outros direitos, nomeadamente o da realização da justiça, constatação que também transparece da análise do enquadramento de Direito da União Europeia da atividade da CMVM, casos havendo em que se verifica mesmo a imposição do dever legal de informar. X – Para além de não ser constitucionalmente imposta, a solução normativa segundo a qual não é admis- sível a interposição de recurso da decisão de quebra de segredo profissional pela entidade obrigada ao sigilo, proferida no âmbito do incidente previsto no artigo 135.º do CPP, não introduz uma limitação processual desproporcional, discriminatória ou arbitrária no acesso aos tribunais; o incidente de que- bra de segredo profissional assume uma estrutura especial, que se caracteriza pela separação funcional entre o tribunal que aprecia a legitimidade da escusa sustentada na invocação de sigilo profissional e o tribunal que aprecia a justificação da quebra do segredo, sendo precisamente para assegurar a tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente garantida que o regime legal previsto no artigo 135.º do CPP atribui a um tribunal de instância superior a decisão do incidente, contemplando o incidente da quebra de segredo uma dupla apreciação:  i)  a apreciação prévia no tribunal de primeira instância sobre a necessidade da quebra do dever de sigilo diante da verificação da legitimidade da escusa; e  ii)  a apreciação subsequente, pelo tribunal superior, diante dos interesses em confronto, sobre a justificação para ordenar o levantamento do segredo, designadamente a imprescindibilidade da informação para a administração da justiça; a resolução das duas questões foi intencionalmente separada pelo legislador que reservou ao tribunal superior, um tribunal especialmente qualificado em razão da hierarquia, o juízo sobre a prevalência entre os interesses em conflito. XI – A estrutura do incidente em dois graus, sendo o tribunal superior a instância que decide a quebra do segredo introduz uma solução funcionalmente adequada aos fins do processo, a que não são alheias tam- bém razões de celeridade na prossecução da justiça – que representam um interesse público de especial relevância, não procedendo a acusação de que este regime impõe uma limitação processual desproporcio- nal no acesso aos tribunais, na medida em que a sua estrutura em dois graus permite prosseguir as fina- lidades que fundamentariam o recurso, neste contexto; nem tão-pouco é discriminatório ou arbitrário, pois o regime aplica-se de uma forma generalizada e tem uma fundamentação racional que o justifica, concluindo-se que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição não impõe o reconhecimento do direito ao recurso da decisão que quebra o segredo profissional por parte do obrigado ao sigilo.

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