TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
616 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da verificação da obrigação de segredo, será o tribunal superior a decidir de forma definitiva se o inte- resse da descoberta da verdade deve prevalecer sobre o segredo. IV – A norma sindicada veda, a quem está vinculado ao dever de segredo estabelecido através do artigo 354.º do Código dos Valores Mobiliários (CVM), o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, da decisão de quebra de segredo decretada pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 135.º do Código de Processo Penal (CPP); estamos perante um dever de segredo profissional, criado por norma legal, que incide quer sobre a instituição Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), abran- gendo os seus órgãos e os respetivos titulares, quer sobre a pessoa dos seus trabalhadores e prestadores de serviços; o dever legal de silêncio, no caso destas pessoas, está associado ao seu estatuto profissional ou exercício de atividade económica. V – Sendo os interesses protegidos pelo segredo profissional imposto à CMVM por um lado, a privacidade dos respetivos clientes e a proteção da vida interna dos operadores de mercado (e dos seus segredos comerciais e industriais) e, por outro lado, a relação de confiança destes com as instituições com que operam, a que acresce, por se tratar de uma entidade de supervisão, a preocupação da eficácia da sua atuação no mercado dos instrumentos financeiros, certo é que o artigo 354.º, n.º 3, do CVM per- mite ao interessado dispensar voluntariamente a entidade de supervisão do cumprimento do dever de observância do sigilo, o que revela que o legislador concebe o segredo como proteção do direito fundamental à reserva da vida privada, representando um instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal dos sujeitos titulares dos dados compilados. VI – A recondução do direito ao sigilo profissional à tutela da privacidade tem como consequência que a respetiva fundamentação jurídica assuma uma dimensão e implicações jurídico-constitucionais; desta forma, adquiriu uma resistência reforçada a intrusões no âmbito protegido, já que, por integrar o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, ao direito ao segredo sobre os dados respeitantes ao sujeito titular será aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consa- grado; porém, o segredo profissional da CMVM, tal como o segredo bancário, localiza-se no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, a que requer maior intensidade de tutela; ainda que compreendido no âmbito de proteção do direito fundamental, ocupa uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores contrastantes; apesar de o sigilo bancário se integrar no âmbito de proteção do direito à reserva da intimidade da vida privada, ele «não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». VII – Mesmo que se considere a decisão do Tribunal da Relação sobre o levantamento do sigilo bancário uma decisão judicial que afeta direitos, liberdades e garantias, o titular do interesse protegido pelo direito fundamental à reserva da vida privada acautelado pelo segredo profissional não é a entidade ou o profissional obrigado ao sigilo, mas antes o sujeito a quem respeitam os dados cobertos pelo segredo; o sigilo profissional imposto à CMVM (seus órgãos, seus titulares, trabalhadores e pessoas que lhe prestem serviços) constitui a decorrência do exercício da atividade de supervisão que lhe está cometi- da, não se tratando de um privilégio concedido ao regulador, nem visando, pelo menos diretamente, a proteção dos seus interesses ou sequer dos interesses do mercado que regula; não estamos perante um direito fundamental da entidade de supervisão, mas de um dever funcional que é instrumental para que esta prossiga as suas atribuições, protegendo indiretamente direitos fundamentais dos administra- dos, como a proteção da sua vida privada ou a sua propriedade.
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