TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

613 acórdão n.º 175/21 No Acórdão, não se explica a própria noção de “decisão recorrível” – recorde-se que a referência legal a “recurso” no contexto em apreço é enganadora, uma vez que estão em causa apenas atuações administrativas, e não decisões judiciais (cfr. o ponto 2.3.2 do Acórdão) – nem o respetivo enquadramento jurídico: trata-se de um ato decisório do tipo do ato administrativo? A decisão em causa é revogável? E com que consequên- cias, designadamente para o “recurso” dela entretanto interposto para o TCRS? Também nada é referido sobre a necessidade ou utilidade de interesse público de colocar a questão previamente à AdC. Acresce que não se esclarece o modo como, em caso de apresentação de reclamação prévia, se encontra afinal assegurada a tutela jurisdicional efetiva, com o conteúdo anteriormente referido (abstraindo já da singularidade da exi- gência de uma reclamação contra meras operações de execução). Ou seja, a “forma de execução” do mandado que exceda o seu âmbito (material, temporal ou territorial) não se mostra suficientemente acautelada. Por outro lado, e em segundo lugar, o Acórdão parece aceitar a ideia de que a execução de um mandado de busca não envolve em caso algum a prática de atos decisórios. O que não é verdade. O mandado em causa corresponde a uma simples autorização (cfr. o artigo 18.º, n.º 3, da LdC), que pode balizar mais ou menos estritamente a atuação da AdC. Porém, a realização da busca, o exame dos ficheiros arquivados nos computadores, das caixas de correio eletrónico já obedecem – ou podem obede- cer – a critérios (filtros, palavras-chave, a definição dos métodos de electronic discovery ) determinados exclu- sivamente pela AdC. A definição destes critérios, na medida em que não se encontrem predeterminados no mandado – e estranho seria que o fossem positivamente (quando muito, haverá uma delimitação negativa da autorização dada) … – correspondem obviamente a decisões (interlocutórias) desta autoridade. Ou seja, tipicamente, a execução de tais mandados, implica a adoção de decisões, que, segundo a norma não julgada inconstitucional, não poderão ser objeto de “recurso”, em virtude de não assumirem um caráter autónomo e expresso (escrito? notificável?), mas resultarem tão-só implicitamente da atuação dos agentes da AdC. Sendo certo, de todo o modo, que a discussão sobre a legalidade dos critérios e métodos utilizados na busca já releva do mérito da queixa judicial, e não da sua admissibilidade. Em terceiro lugar, discutindo-se a admissibilidade de abertura da via judicial para a atuações interlocu- tórias da AdC, é natural poderem ocorrer sobreposições com futuras e eventuais atuações da mesma Autori- dade. Porém, atento o direito à tutela jurisdicional efetiva, nada disso deve constituir obstáculo à admissibi- lidade do recurso à via judicial por parte de quem se considera lesado nos seus direitos. Esta alegação, desde que respeitados os pressupostos legais e constitucionalmente legítimos é suficiente. Tudo o mais releva do mérito da pretensão do interessado. De resto, as objeções relativas aos riscos de sobreposição e de menor celeridade procedimental ou à ideia de que estão em causa “pretensões extraprocessuais” (cfr. o ponto 2.3.3 do Acórdão) valem igualmente para os “recursos” interpostos das decisões sobre as nulidades arguidas pelos visados, nos termos já hoje admitidos pela citada jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, e nem por isso o Acórdão se opõe à respetiva admissibilidade. Finalmente, uma hipótese alternativa ao juízo positivo de inconstitucionalidade da norma do artigo 85.º, n.º 1, da LdC apreciada no Acórdão seria a sua interpretação conforme à Constituição, de modo a assegurar que a forma como os mandados de busca previstos no artigo 18.º, n.º 2, daquela Lei são executados implica a prática de atos decisórios recorríveis. – Pedro Machete . Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 19 de maio de 2021. 2 – Os Acórdãos n. os 64/05, 329/13, 674/16 e 141/19 estão publicados em Acórdãos , 61.º, 87.º, 97.º e 104.º Vols., respetivamente.

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