TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

612 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acontece que a Lei não define um prazo perentório para a entidade administrativa decidir e, repete-se, é a AdC quem controla o tempo da resposta. […]» (itálicos acrescentados) Se, na fase administrativa, a AdC desempenha uma função comparável ao Ministério Público (no inqué- rito), a verdade é que os atos lesivos de direitos fundamentais praticados pelo Ministério Público são impug- náveis junto do juiz de instrução criminal (cfr., nesse sentido, o Acórdão n.º 121/21, n.º 15, acessível a partir da ligação https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) . E, no procedimento administrativo, os atos (ou atuações) lesivos de direitos fundamentais, mesmo que não constituam a decisão final, também são autonomamente sindicáveis jurisdicionalmente [cfr. os artigos 37.º, n.º 1, alíneas h) e i) , e o artigo 53.º, n.º 3, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; de resto, nem mesmo a ineficácia jurídica do ato exequendo impede a utilização de meios de tutela contra a sua execução ilegítima – cfr. o artigo 54.º, n.º 3, do mesmo Código]. Ou seja, o acesso ao juiz é sempre garantido por força do direito à tutela jurisdicional efetiva. Na fase administrativa de processos contraordenacionais, a norma do artigo 85.º da LdC, tal como interpretada pelo tribunal recorrido, e contrariamente ao que resulta do artigo 55.º, n. os 1 e 2, do Regime Geral das Contraordenações – daí a relevância da menção expressa de tal preceito no enunciado da norma, tal como levado ao dispositivo do presente Acórdão –, não assegura esse acesso ou condiciona-o em termos tais que o interessado acaba por perder o controlo sobre o mesmo, anulando ou esvaziando o seu direito à tutela jurisdicional efetiva. Mais: perante a recusa expressa de apreciação da nulidade invocada pelo visado, que deve o TCRS apre- ciar? E quid iuris se a AdC não só não decidir – mesmo tardiamente – a arguição de nulidade da execução do mandado, como nem sequer venha a adotar uma decisão final condenatória? Ou, tomando-a, não o faça com base em provas assumidas a partir da busca executada de forma ilegal? As ilegalidades cometidas poderão ficar por reconhecer jurisdicionalmente? Ou a eventual responsabilidade civil delas decorrente poderá prescrever (cfr. o artigo 50.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o artigo 5.º do Regime Jurídico da Responsabilidade do Estado e demais Entidades Públicas)? A ilegalidade inerente à ilicitude da atuação dos agentes da AdC deverá ser apreciada pelos tribunais administrativos? E a eventual culpa do lesado deve ser aferida pelos tribunais administrativos em função da mencionada jurisprudência da Relação de Lisboa (cfr. o artigo 4.º do mencionado Regime da Responsabilidade)? Resulta, assim, manifesto que a questão de inconstitucionalidade em causa no presente processo não só releva da defesa de um certo direito fundamental, como, mais amplamente, da própria conformação do sistema de defesa de direitos fundamentais perante atuações dos poderes públicos. III O presente Acórdão, ao coonestar a interpretação normativa feita pelo tribunal recorrido, não dá uma resposta suficiente aos problemas enunciados. A perspetiva assumida centra-se, em primeira linha, no modo ou na forma de atuação dos poderes públicos (concretamente, uma decisão da AdC) e não na incidência dessa atuação, independentemente da forma que revista, sobre os direitos das pessoas. Ora, o direito à tutela jurisdicional efetiva exige a abertura da via judicial ( Rechtsweg ) a quem quer que seja lesado nos seus direitos pela atuação dos poderes públicos (cfr. o artigo 19, 4.º parágrafo, primeira frase, da Grundgestz ou o artigo 2.º do Código de Processo nos Tri- bunais Administrativos). Decerto que compete ao legislador conformar o acesso a tal via, mas a disciplina conformadora, além de não poder conter ónus ou limitações excessivas, deve necessariamente estabelecer um caminho claro, previsível e controlável pelo interessado, de modo a assegurar-lhe que se poderá queixar-se em tempo útil perante um juiz da lesão dos direitos que lhe foi infligida. Tal implica considerar a possibilidade de recorrer à via judicial não apenas contra decisões ou atos decisórios, como também contra os vícios próprios de atos de execução ou as próprias operações de execução ilegítimas (cfr. os artigos 53.º, n.º 3, e 54.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

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