TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

608 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pedidos de providências cautelares, de intimações, na jurisdição administrativa, e de habeas corpus (é recor- rentemente assinalado que este “[…] na estrutura com a qual obteve consagração constitucional é um insti- tuto a manter distinto dos recursos […]” – José Lobo Moutinho, anotação ao artigo 31.º da Constituição, in Jorge Miranda e Rui Medeiros (org.), Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª edição, Lisboa, 2017, p. 504; sobre a natureza do habeas corpus , em particular na relação com os recursos, com notas de direito comparado, designadamente face às ordens jurídicas norte-americana e brasileira, cfr. o Acórdão n.º 64/05, em particular no ponto 2.2.2. da fundamentação). O caso dos autos não justifica desvios a tal enquadramento, visando a recorrente, com o pedido dirigido ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (cfr. fls. 59): “[a declaração da] nulidade das buscas que estão a ser realizadas nas instalações da visada desde 28.11.2018, bem como e incluindo das medidas de análise, exame e visualização ilegal de correio eletrónico, de análise, exame e visualização de elementos protegidos por sigilo profissional e análise, exame e visualização de elementos fora do âmbito que a AdC foi autorizada por despacho e mandado do Ministério Público, uma vez que tal contende, de forma inadmissível, com os direitos fundamentais da visada”; e “[que se determine] que nenhum elemento obtido nessas condições seja utilizado para qualquer fim, por cons- tituir prova nula por violação de direitos fundamentais nos termos acima descritos”. Trata-se, assim, de uma providência de imediata invalidação da prova (através de uma declaração de nulidade) e de uma providência inibitória, que se projeta dentro e para lá do objeto do processo, na medida em que se pede que a requerida seja inibida de usar os elementos obtidos “para qualquer fim”. Temos, enfim, significativamente alterado o eixo da discussão promovida pela recorrente: não se trata de perguntar se a Constituição lhe garante um recurso, mas sim se a Constituição, para além dos recursos, lhe garante certas providências. O que, por sua vez, obriga a questionar a finalidade dessas providências e em que medida tal finalidade não é assegurada pelos demais meios impugnatórios. 2.3.3. Um dos argumentos principais da recorrente prende-se com a lesão, pelo próprio ato impugnado, de direitos consagrados na lei fundamental. No entanto, a circunstância de um ato praticado num processo – designadamente, a abertura e lei- tura de mensagens de correio eletrónico – poder atingir diretamente direitos previstos na Constituição não constitui, só por si, razão que justifique a existência de uma impugnação direta desse ato para um tribunal, sem mediação de uma decisão. A afetação de direitos fundamentais diretamente por um ato pode ocorrer, designadamente, em muitas hipóteses de uso de métodos proibidos de prova (cfr. artigo 126.º do Código de Processo Penal). Perante tal hipótese, o arguido ou visado pode discutir no processo questões atinentes à admissibilidade da prova e essa possibilidade é, por regra, suficiente para assegurar o seu direito de defesa, sem que a recorrente consiga demonstrar em que medida o não foi para si. Às razões  da recorrente, a serem atendíveis, poderia acorrer-se, se necessário, por via do regime de subida dos recursos de decisões da autoridade administrativa, do Ministério Público ou do juiz, mas não prescindindo do elemento decisório (sobre a regra da recorribilidade das decisões que “que interfiram com direitos materiais ou processuais autónomos”, mas sempre referindo-se a recurso que têm por objeto deci- sões, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à Luz da Consti- tuição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, 2011, p. 235), havendo quem admita, desde logo, que “[…] o recurso de despacho da autoridade administrativa que colida com os direitos ou interesses de pessoas sobe de imediato [e] em separado” ( ibidem , p. 233). Essa (outra) discussão sobre o regime da subida dos recursos – confrontando os artigos 55.º do Regime Geral das Contraordenações e 85.º, n.º 3, da Lei da Concorrência – não se confunde, todavia, com a questão que a recorrente traz a estes autos, sobre a possibilidade de lançar mão de providências dirigidas contra atos cuja admissibilidade pode ser também apreciada por decisões recorríveis.

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