TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

606 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL esse direito ser restringido em processo de natureza contraordenacional e, mesmo que pudesse, apenas o poderia ser mediante autorização judicial (e não do Ministério Público); b. a A. recorreu também da medida de exame de elementos protegidos por sigilo profissional de advogado, em particular de correspondência recebida e trocada com advogados da A., realizada depois de ter sido invocado o sigilo profissional por escrito, depois de a A. ter fornecido uma lista com os endereços dos seus advogados e depois de a A. ter, através dos seus representantes, reiterado a impossibilidade de leitura e análise de mensagens protegidas, cada vez que estas eram abertas pelos inspetores durante as buscas; c. a A. recorreu ainda da medida de exame de elementos sem conexão (material e temporal) com os factos que estavam em investigação e que fundamentaram a decisão que autorizou a busca e o mandado subsequen- temente emitido, por se tratar de uma ingerência nas suas instalações conduzida de forma arbitrária, não fundamentada e não autorizada por parte de uma autoridade administrativa (cfr. artigo 18.º n.º 3 da LdC), deliberadamente conduzida com o intuito de encontrar algum facto indiciador de uma qualquer possível infração às regras de concorrência e alguma prova remotamente válida para a sustentar, contornando as regras aplicáveis a este tipo de meio de recolha de prova e em violação do seu direito de defesa (cfr. artigo 32.º n.º 10 da CRP) e do seu direito à vida privada (cfr. artigo 26.º da CRP). 72. Perante o reconhecimento deste tipo de situações, terá necessariamente de se apelar a um princípio e regra de recorribilidade de atos que interfiram com direitos materiais ou processuais autónomos, visando, assim, acrescentamos nós, a garantia plena de uma efetiva tutela judicial. 80. Na verdade, o ato de visualizar e examinar, ou seja, ler e perceber o conteúdo de documentos protegidos por sigilo (de correspondência ou de advogado) – independentemente de depois vir a decidir-se (ou não) pela apreensão desses elementos – viola, desde logo e imediatamente, esse mesmo sigilo, 81. permitindo o conhecimento do conteúdo protegido pelo leitor que não é destinatário ou remetente dessa correspondência e alargando o círculo limitado de pessoas que tomaram conhecimento do seu teor. 82. E não procure argumentar-se que a mera visualização desses elementos não contende com direitos funda- mentais. 83. Pelo contrário, conformar-se com a possibilidade de tais elementos serem visualizados indiscriminada- mente por uma autoridade com poderes de investigação e punição, e ainda que tais elementos não sejam apreen- didos, significa permitir que o conhecimento desses elementos possa ser usado para evidenciar indícios de práticas putativamente ilegais, sob investigação ou não, para definir novas linhas de investigação, para instaurar diferentes processos contraordenacionais, com inegáveis consequências diretas e imediatas. 84. O conhecimento dos referidos elementos interfere necessariamente, ou comporta o risco de interferir, com o direito de defesa da recorrente. 85. Ainda que a recorrente tenha a oportunidade de juntar mais tarde todos os elementos necessários ao exercício do seu direito de defesa no processo em causa, tal não sana a lesão desse mesmo direito, ocorrida pelo conhecimento pela AdC de informações e elementos que, adicionalmente, nem sequer ficarão documentados no processo, não sendo rastreáveis. 86. Este problema coloca-se relativamente a documentos que a AdC se deve abster de conhecer, mal a sua natureza seja perfunctoriamente estabelecida, trate-se de documentos cobertos pelo sigilo profissional de advogado ou de documentos cuja visualização não foi autorizada por não serem relevantes para os factos em investigação. 87. Tudo se passa na realidade como se tratasse de uma busca não autorizada pela autoridade judiciária com- petente. 88. Assim colocada a questão, salvo melhor entendimento desse Tribunal, parece evidente que o exame de elementos não abrangidos pela autorização da busca contende, imediatamente e desde logo, com o direito à vida privada, ínsito no artigo 26.º da CRP. […] 95. Assim, e tendo em conta que (i) está em causa uma medida lesiva de direitos e interesses legalmente pro- tegidos da visada pela busca/apreensão; (ii) essa medida extravasa o mero controlo de legalidade do mandado em

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