TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

605 acórdão n.º 175/21 35. De facto, e como resulta do enquadramento inicial, a medida administrativa em causa, levada a cabo pela AdC, violou, de forma grave e deliberada, o direito ao sigilo da correspondência, o direito à reserva da vida privada, e o direito de defesa subjacente ao sigilo profissional e à relação entre advogado e cliente. 36. Tudo isto quando, em sede de processo penal, se apela, p. ex. (i) à nulidade da prova obtida mediante intromissão da vida privada, no domicílio ou na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular (v. artigo 126.º n.º 3 do Código de Processo Penal – ‘CPP’); (ii) à verificação de um conjunto de pressupostos e formalidades para se proceder a revista ou busca (v. artigos 174.º e segs. do CPP); e (iii) à pro- teção e salvaguarda do segredo profissional (v. artigo 182.º do CPP) (entre outros direitos e salvaguardas que se acumulam). 37. Quase parece que os ilícitos com menor relevância social consentem maiores restrições aos mesmos direitos, liberdades e garantias. 38. Assim, à AdC – talvez por via de uma aparente autonomia da sua LdC – não parecem ser aplicáveis quaisquer limites ou restrições, permitindo-se que aquela autoridade lance mão de medidas administrativas – em manifesta violação de direitos fundamentais da recorrente –, que, segundo o TRL, nem sequer poderiam ser judi- cialmente impugnadas. […] 50. Uma outra leitura faria com que o visado por atos lesivos de direitos fundamentais não tivesse forma de sobre os mesmos reagir, sendo posto em causa, de um modo inaceitável em Estado de Direito, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, em clara violação das normas constantes do artigo 20.º n. os 1 e 5 da CRP e 6.º da CEDH. 51. E é exatamente a leitura do TRL, na medida em que admite uma restrição infundada da possibilidade de recurso e de tutela sobre determinados atos lesivos, que se encontra o cerne da questão de constitucionalidade com que ora nos debatemos. […] 53. O preceito em análise reclama o acesso aos tribunais em tempo útil e, em sentido mais lato, uma tutela efetiva para os direitos e interesses legalmente protegidos. 54. Fá-lo sem qualquer restrição – exceção feita àquelas que se encontrem ao abrigo do disposto no artigo 18.º n. os 2 e 3 da CRP, preceito que não só não foi invocado pelo TRL, como não terá aqui aplicabilidade – como a que ora está a ser imposta à recorrente. 55. Conforme resulta do preceito em análise, a lei, e, concretamente a CRP, impõe a existência de uma resposta do regime à violação de direitos fundamentais, não podendo o sistema ser conivente com a possibilidade de as autoridades (administrativas ou judiciais) praticarem atos ou tomarem medidas sem que as mesmas possam ser, pelo menos uma vez (à luz daquelas que são as restrições ao princípio do duplo grau de jurisdição), sindicadas (excluindo, obviamente, atos/ medidas de expediente e outros para cuja lei reconhecidamente não admite a possibilidade de recurso). […] 58. No mesmo sentido, isto é, de consciência da necessidade de acautelar uma tutela efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, lê-se no artigo 6.º n.º 1 da CEDH: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei (…).” 59. o que constitui, também aí, uma consagração do direito de acesso a um tribunal e, lato sensu , uma tutela jurisdicional efetiva. […] 64. E esse mecanismo de salvaguarda de direitos é, no caso, a possibilidade da visada por um ato da autori- dade administrativa que lese os seus direitos e interesses legalmente protegidos, poder recorrer, diretamente, dessa mesma medida, in casu , para o TCRS. […] 71. Ora as medidas de exame de que a A. recorreu são imediatamente lesivas de direitos e interesses: a. A. recorreu da medida de exame de correspondência eletrónica, por violação do direito ao sigilo das comu- nicações, constitucionalmente consagrado no artigo 34.º n.º 4 da CRP, porquanto considera que não pode

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=