TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
604 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL forma e tempo [elimina] o caráter definitivo ( hoc sensu , materialmente definidor da situação do particular) da deci- são administrativa, porque a apresentação dos autos ao juiz vale como acusação, assim se convertendo em judicial o poder de aplicação da sanção” (Acórdão n.º 595/12, ponto 4). A impugnação da decisão administrativa nos moldes enunciados configura, assim, o meio de acesso à jurisdição. […]” (itálicos acrescentados). 2.3. Resulta da jurisprudência citada que a garantia constitucional do recurso em matéria contraorde- nacional é dirigida em primeira linha à decisão administrativa condenatória, sem prejuízo da necessidade de entender em termos amplos o âmbito do controlo jurisdicional sobre a fase administrativa, que obrigará a conhecer, também, de decisões interlocutórias. Em bom rigor, a recorrente não põe em causa esta arquitetura fundamental, visto que os seus argumen- tos não dizem respeito aos termos dos recursos de decisões da autoridade administrativa. O que a recorrente procura afirmar é que, para observar todas as garantias que a lei fundamental prevê para o arguido em pro- cesso de contraordenação, não basta recorrer de decisões, sendo necessário “recorrer” (adiante revisitaremos o conceito de recurso) diretamente de certos atos não decisórios da autoridade administrativa para o tribunal. Vejamos, pois, em detalhe, as principais razões que apresenta para suportar essa conclusão: “[…] 4. Na verdade, por ocasião da referida diligência, os funcionários da AdC leram e examinaram detalhadamente, tirando notas em cadernos próprios: (i) mensagens de correio eletrónico; (ii) mensagens de correio eletrónico enviadas por e recebidas de advogados da empresa; e (iii) mensagens de correio eletrónico cujo teor não tinha qualquer conexão com a matéria objeto do mandado. 5. Durante a diligência tornou-se evidente que o exame feito pelos funcionários da AdC das mensagens referi- das em (ii) e (iii) supra não era inadvertido, mas deliberado. 6. Procurando evitar que a lesão dos seus direitos e interesses prosseguisse, a A. reagiu contra (i) o exame e a visualização de correio eletrónico, (ii) o exame e a visualização de elementos protegidos por sigilo profissional de advogado e (iii) o exame e a visualização de correio eletrónico sem conexão com os factos sob investigação e, como tal, sem que a AdC dispusesse de autorização da autoridade judiciária para o efeito. 7. F ê-lo mediante a apresentação de requerimentos: (i) junto da AdC, em 29.11.2018 e 12.12.2018, (ii) junto do Ministério Público (quer perante o procurador que emitiu o mandado em causa, quer perante o respetivo superior hierár- quico), em 12.12.2018 e (iii) junto do juiz de instrução criminal, também em 12.12.2018. 8. e, bem assim, (iv) pela interposição de recurso dessas medidas para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (‘TCRS’), em 12.12.2018, o qual deu origem ao processo objeto dos presentes autos de recurso. 9. O recurso tem assim, como objeto uma medida da autoridade administrativa – o exame levado a cabo pela AdC durante a diligência – que, nos termos em que foi executada, colide com direitos e interesses legalmente protegidos da A.. […] 23. Com efeito, interpretar e aplicar a norma contida no artigo 85.º da LdC, no sentido de limitar o direito à impugnação imediata de atos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos aos atos de conteúdo decisório, tem como consequência a impossibilidade de reação, em particular por via de impugnação judicial, quanto a um conjunto de atos e medidas de autoridades administrativas em processo contraordenacional que contendam, de modo irreparável, com direitos e interesses legalmente protegidos. 24. In casu, a dita interpretação retira ao particular a possibilidade de impugnar e reagir imediatamente contra atos de uma autoridade administrativa que atentam contra direitos fundamentais, em particular o direito ao sigilo da corres- pondência, o direito à reserva da vida privada e ao direito de defesa subjacente ao sigilo de correspondência trocada com advogado, com base nos quais a autoridade poderá abrir e instruir processos de contraordenação contra esse particular. […]
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