TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
602 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nessa medida, o alegado «direito de recurso» que a recorrente considera ter sido violado não pode ser aferido à luz do disposto no invocado n.º 1 do artigo 32.º da Constituição – porque não se está num «processo criminal» e porque não se pretende impugnar uma decisão jurisdicional. 16. O enquadramento constitucional aplicável ao processo contraordenacional é, assim, distinto. No seu âmbito, as garantias processuais do arguido são constitucionalmente previstas no n.º 10 do artigo 32.º, que dispõe que «nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa» (preceito introduzido pela Revisão Constitucional de 1989, como n.º 8 do mesmo artigo). Tal norma determina ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, con- traordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 363). É esse o alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, «nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios», de «todas as garantias do processo criminal» (artigo 32.º-B do Projeto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cfr. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República , II Série RC, n.º 20, de 12 de setembro de 1996, pp. 541 544, e I Série, n.º 95, de 17 de julho de 1997, pp. 3412 e 3466). Para além de gozar do referido direito de defesa constitucionalmente previsto no artigo 32.º, n.º 10, da Consti- tuição, como tem sido sublinhado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, em processo de contraordenação, o arguido goza também do direito de acesso à tutela jurisdicional, genericamente consagrado no artigo 20.º da Constituição, com o consequente direito de impugnar judicialmente a decisão administrativa sancionatória (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 659/06, ponto 2.2., 45/08, ponto 2.2., 135/09, pontos 7. e 8.4., 299/13, ponto 5., e 373/15, ponto 2.). Com efeito, como o processo contraordenacional corre diante de entidade administrativa – i. e. fora da hierarquia jurisdicional –, o direito a impugnar uma decisão sancionatória nele proferida adquire uma rele- vância só compreendida dentro da tutela jurisdicional efetiva, e mais especificamente na garantia da impugnação dos atos administrativos sancionatórios perante os tribunais, consagrada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. É nesse contexto, de garantia do direito de defesa previsto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, e do direito de acesso à tutela jurisdicional, designadamente contra atos administrativos lesivos, consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição, que deve ser analisada a conformidade constitucional de dado processo contraorde- nacional. […]” (itálicos acrescentados). Os fundamentos acabados de transcrever – que traduzem entendimento estabilizado na jurisprudência do Tribunal – bastam para concluir que não está em causa uma posição do arguido tutelada pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, visto que não se questiona o direito de audição, nem o direito de defesa. A questão da recorribilidade em processo contraordenacional pode, no entanto, ser perspetivada à luz das garantias do artigo 20.º da Constituição. Relativamente a este outro parâmetro pode, ainda, ler-se o seguinte no já citado Acórdão n.º 141/19: “[…] 17. O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direi- tos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que, para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegure aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos (n.º 5). Ao assegurar o «acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos», a primeira parte do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição consagra a garantia fun- damental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo (artigo 205.º). No domínio da ação administrativa, onde se insere o Direito Contraordenacional, a Constituição garante aos administrados o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa
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