TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

601 acórdão n.º 175/21 Sentido esse que corresponde aos fundamentos adotados pelo Tribunal da Relação de Lisboa (“[…] ao contrário do que a recorrente alega, existem assim meios de controle que permitem assegurar plenamente direitos fundamentais de particulares, e o respeito pelos direitos fundamentais preteridos com atos não deci- sórios […]”; “[é] que conforme se afere do artigo 84.º da LdC. são recorríveis as decisões proferidas pela AdC e cuja irrecorribilidade não esteja prevista naquele diploma, dispondo o artigo 85.º do mesmo diploma que são recorríveis igualmente as decisões interlocutórias proferidas por aquela autoridade administrativa. Ora no caso em preço, não estamos perante decisões da AdC, mas sim de atos praticados por esta durante uma busca que a recorrente considerou lesivos dos seus interesses […]”; “[…] assim sendo, querendo sindi- car a forma de execução desses atos deveria a recorrente arguir a respetiva nulidade perante a AdC e então recorrer diretamente dessa decisão. E desta forma que se pode sindicar na fase administrativa a forma como se executou um mandado. Não o tendo feito no caso em apreço, não é de admitir o recurso sobre os atos de execução mencionados […]”). Não sabemos, é certo, se, na hipótese de procedência do recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa profe- riria decisão diversa (de revogação da decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que não admitiu o recurso) ou manteria a decisão com outro fundamento. Seria questão para o tribunal recorrido apreciar, reformulando a decisão sem a norma afastada, num hipotético cenário de procedência do recurso. Mas é certo que se comprometeu com o referido critério, que este foi relevante para a sua decisão e que não se prefigura, com clareza, um outro critério alternativo que igualmente suportasse o sentido decisório. Em suma, a norma enunciada pela recorrente corresponde à ratio decidendi adotada na decisão recor- rida, pelo que não se prefigura, por essa via, a inutilidade do recurso. 2.1.2. De todo o modo, tendo em vista eliminar eventual dúvida sobre o sentido normativo questio- nado, entende-se adequado proceder a um ajustamento meramente formal do enunciado da recorrente, que não afeta o respetivo conteúdo substancial, delimitando o recurso por referência à norma contida no artigo 85.º, n.º 1, da Lei da Concorrência, interpretado no sentido em que, de entre os atos praticados pela Auto- ridade da Concorrência na fase administrativa do processo de contraordenação, só são suscetíveis de recurso aqueles que tiverem natureza decisória, não havendo lugar à aplicação subsidiária da norma contida no artigo 55.º do Regime Geral das Contraordenações. 2.2. Importa começar por enquadrar, em termos gerais, o âmbito da tutela jurídico-constitucional do arguido em sede de processo contraordenacional. Pode ler-se, sobre esta matéria, no Acórdão n.º 141/19: “[…] [O] «direito de recurso» consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição não pode ser diretamente apli- cado aos processos contraordenacionais, na medida em que este parâmetro, conforme tem sido entendido pela jurisprudência constitucional, respeita ao processo criminal, não havendo, assim, uma imposição constitucional ao legislador ordinário de equiparação de garantias no âmbito do processo criminal e do contraordenacional. Para além disso, não pode equiparar-se o recurso da decisão de uma instância judicial para um tribunal hierar- quicamente superior no âmbito de um processo criminal interposto pelo arguido ou no interesse deste à impug- nação de uma decisão administrativa de aplicação de uma sanção no âmbito de um processo contraordenacional para um tribunal. Não se ignorando a querela doutrinária existente em torno da natureza do processo contraorde- nacional, cujas características híbridas – integrando uma fase administrativa, que concentra inquérito e julgamento a que se segue e uma fase judicial que conjuga elementos de impugnação e de recurso – dificilmente se ajustam a qualificações dogmáticas rígidas, certo é que na impugnação da decisão administrativa  não está  em causa um verdadeiro exercício de um direito fundamental ao recurso jurisdicional, tal como protegido pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

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