TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
600 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1, 3 e 4, e 268.º, n.º 4, da CRP, para além de violar o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo, nessa medida, inconstitucional. […]”. Ora, sendo certo que a recorrente visava, com o recurso, impugnar a decisão de não admissão do recurso pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (como é suposto que faça num recurso ordinário), o certo é que não pode deixar de se reconhecer no referido enunciado, de forma clara e precisa, um critério normativo de decisão – critério heterónomo para o juiz –, atinente ao universo de decisões recorríveis no âmbito regulado pela Lei da Concorrência (LdC). Critério normativo enunciado que é apto a moldar um futuro recurso incidental de fiscalização concreta da inconstitucionalidade. Numa palavra, a questão tem dimensão normativa. Posteriormente, no recurso interposto para o Tribunal Constitucional (cfr. item 1.2., supra ), a questão foi assim delimitada. “[…] [A] norma prevista no artigo 85.º n.º 1 da LdC, […] [interpretada] no sentido de que apenas os atos decisórios adotados pela AdC na fase administrativa do processo de contraordenação são suscetíveis de recurso, não se admi- tindo em circunstância alguma a aplicação subsidiária do artigo 55.º do RGCO. […]”. Não obstante uma ligeira variação formal no enunciado, está em causa a mesma questão normativa substancial que havia sido anteriormente assinalada pela recorrente: a delimitação do universo de decisões recorríveis na fase administrativa, por aplicação do critério previsto no artigo 85.º da Lei da Concorrência. Verifica-se, pois, a condição de recorribilidade prevista no artigo 72.º, n.º 2, da LTC. 2.1.1. Entende, ainda, o Ministério Público que a norma em causa não corresponde à ratio decidendi da decisão recorrida, em suma, porquanto “[…] o Tribunal da Relação de Lisboa apenas ponderou a admissibi- lidade legal de recurso incidente sobre decisões da Autoridade da Concorrência proferidas na fase administra- tiva do processo de contraordenação, não se tendo, obviamente, debruçado, genericamente, sobre quaisquer outras decisões ou atos suscetíveis de serem praticados no domínio daquela fase administrativa, pela Autori- dade da Concorrência, pelo Ministério Público ou, inclusivamente, pelo juiz de instrução, sobre os quais os decisores a quo não se pronunciaram”. Esta observação do Ministério Público decorre de o enunciado da recorrente poder ser lido com dois sentidos ligeiramente diferentes: A expressão “[…] apenas os atos decisórios adotados pela AdC na fase administrativa do processo de contraordenação são suscetíveis de recurso […]” presta-se a duas leituras, podendo, assim, significar que: – apenas os atos decisórios adotados pela Autoridade da Concorrência (de entre todos os atos prati- cados pela Autoridade da Concorrência) na fase administrativa do processo de contraordenação são suscetíveis de recurso; ou – apenas os atos decisórios adotados pela Autoridade da Concorrência (de entre todos os atos pra- ticados pela Autoridade da Concorrência ou qualquer outra entidade, incluindo juiz e Ministério Público) na fase administrativa do processo de contraordenação são suscetíveis de recurso. O Ministério Público leu a afirmação no segundo sentido – que, efetivamente, não corresponde ao fundamento da decisão proferida pelo Tribunal da Relação. No entanto, a leitura da referida expressão no contexto das alegações e do requerimento de interposição do recurso torna claro que a recorrente pretendeu usar o primeiro sentido.
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