TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
593 acórdão n.º 175/21 94. Sem prejuízo do acabado de explanar e inferir, não deixaremos de adicionar, apesar de desnecessárias, algu- mas breves considerações sobre a dimensão substantiva da temática aportada pela recorrente. 95. Conforme pudemos observar anteriormente, a recorrente imputa à interpretação normativa impugnada, supostamente apropriada pelo tribunal a quo , a desconformidade constitucional resultante da violação de distin- tos parâmetros, mais especificamente, “o princípio da tutela jurisdicional efetiva, o direito de defesa, o direito ao recurso e o direito a impugnar atos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos”, para além do “direito a um processo equitativo”, contidos nos artigos 20.º, n. os 1 e 5; 32.º, n.º 10; 29.º, n. os 1, 3 e 4; e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. 96. Ora, de entre os parâmetros de constitucionalidade invocados, alguns não se revelam, em nosso entender, minimamente pertinentes e, consequentemente, deverão ser liminarmente afastados de qualquer abordagem con- gruente. 97. Assim, a consideração dos princípios ínsitos nos números 1, 3 e 4 do artigo 29.º da Constituição da Repú- blica Portuguesa, subordinado à epígrafe ‘Aplicação da lei criminal’, afigura-se-nos totalmente desadequada, por inaplicável à boa decisão do litígio vertente. 98. Dito isto, também a violação do alegado ‘direito a impugnar atos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos’, invocado pela recorrente, acaba por se revelar incongruente com o teor da norma impugnada e, simul- taneamente, com o conteúdo do efetivamente decidido pelo douto tribunal a quo . 99. Isto é, pese embora o equívoco que foi estabelecido entre, por um lado, reações procedimentais e proces- suais a decisões ou a meros atos executórios ou materiais e, por outro lado, entre decisões tomadas pela Autoridade da Concorrência e decisões tomadas pelo Ministério Público no âmbito da fase administrativa do processo de contraordenação, revela-se incontestável que a decisão impugnada reconhece distintos meios de reação processual às decisões e aos atos suscetíveis de lesarem direitos ou interesses legalmente protegidos, admitindo o recurso, a reclamação hierárquica, a mera reclamação para o órgão autor do ato ou a via da ação, de acordo com a lei e com os princípios da concordância prática e da adequação formal. 100. Esta simples constatação remete-nos, contudo, de imediato, para a consideração da invocada violação do direito ao recurso que, em sede de processo contraordenacional, não pode deixar de ser conjugado com o direito de defesa, atento o teor do prescrito no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa. 101. Com efeito, conforme resulta, inequivocamente, do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, o Texto Fundamental, por contraposição às garantias concedidas aos arguidos em processo criminal, o legislador constitucional apenas reconhece aos arguidos em processos contraordenacionais, bem como em quaisquer outros processos sancionatórios, mais modestamente, ‘os direitos de audiência e defesa’. 102. Face ao exposto, devemos concluir, sem mais, que o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da Repú- blica Portuguesa, que consagra ‘os direitos de audiência e defesa’, não prevê nem garante, expressamente, o direito ao recurso, não se revelando aplicável, per se, ao caso sub juditio, razão pela qual nos resta indagar sobre a relevância, enquanto parâmetros de constitucionalidade, do princípio do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efe- tiva, na sua dimensão de direito geral à impugnação consagrado no artigo 20.º, n. os 1 e 5, da Constituição, e, bem assim, na que, especificamente, respeita às decisões administrativas, plasmado no artigo 268.º, n.º 4, do Texto Fundamental. 103. Ora, no caso que ora nos ocupa, o tribunal a quo – e por aqui nos apercebemos, uma vez mais, que o alvo da intervenção da recorrente não é uma interpretação normativa mas a própria decisão judicial em si mesma considerada – não inviabilizou o acesso da arguida ao processo nem à defesa jurisdicional dos seus direitos e inte- resses legalmente protegidos, tendo-se limitado a proteger o interesse público na realização da justiça, na promoção de uma saudável vida económica e na defesa da concorrência, evitando que a impugnante fizesse incidir a sua intervenção sobre atos materiais sem autonomia adjetiva quando tinha à sua disposição instrumentos processuais adequados e suscetíveis de agirem eficazmente sobre as decisões autorizativas dos mencionados atos. 104. A norma legal contida no n.º 1, do artigo 85.º, da Lei da Concorrência, não impede os arguidos de impugnarem decisões prolatadas ou atos praticados na fase administrativa do processo de contraordenação que não sejam da autoria da Autoridade da Concorrência.
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