TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
588 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL concorrência, o recurso para o TCRS de atos decisórios da AdC e também atos e medidas da referida Autoridade que, não tendo conteúdo decisório, afetem direitos e interesses legalmente protegidos – sendo esta a única leitura consonante com o espírito da lei e, sobretudo, com a Constituição. 14. No caso vertente, a circunstância de, no âmbito de uma diligência de busca realizada pela AdC, ser exami- nada, de forma detalhada e indiscriminada, correspondência eletrónica, traduz: (i) violação do sigilo de correspondência (artigo 34.º, n.º 4, da CRP) e violação do segredo profissional de advogado (artigo 20.º da CRP), materializadas no ato de visualização e exame de correspondência ele- trónica de forma não autorizada, entendendo a recorrente que tais direitos não podem ser restringidos em processo de natureza contraordenacional ou, no limite, para que o possam ser, careceria a AdC de ter obtido autorização judicial (e não do Ministério Público) para o efeito; (ii) violação do direito de reserva à vida privada (artigo 26.º da CRP), concretizada na visualização, de forma indistinta, documentos e informações protegidas por segredo comercial e industrial, tratando-se de inge- rência não fundamentada e não autorizada por parte de uma autoridade administrativa (cfr. artigo 18.º, n.º 3, da CRP); (iii) violação do direito de defesa da visada (artigo 32.º, n.º 10, da CRP), corporizada na visualização indis- criminada por uma autoridade com poderes de investigação e punição, podendo a autoridade usar do conhecimento aí obtido para evidenciar indícios de práticas putativamente ilegais, sob investigação ou não, definir novas linhas de investigação, instaurar diferentes processos contraordenacionais, etc., em manifesta violação do mandado. 15. Assim, (i) estando em causa uma medida lesiva de direitos e interesses legalmente protegidos da visada pela busca/apreensão; (ii) medida essa que extravasa o mero controlo de legalidade do mandado em si – sindicado autonomamente; e (iii) não existindo norma expressa na LdC que admita a recorribilidade de tal medida, é indis- cutível a aplicação subsidiária do disposto no artigo 55.º do RGCO ex vi do artigo 83.º da LdC, por imposição constitucional do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n. os 1 e 5, da CRP), do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 10, da CRP), do direito ao recurso (artigo 29.º, n. os 1, 3 e 4, da CRP), do direito à impugnação de atos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) e do direito a um processo equitativo (artigo 6.º da CEDH). 16. Requer, assim, a A. a V. Exas. se dignem apreciar a constitucionalidade da norma contida no artigo 85.º, n.º 1, da LdC, tal como foi interpretada e aplicada no Acórdão do TRL no sentido de que apenas os atos decisó- rios adotados pela AdC na fase administrativa do processo de contraordenação são suscetíveis de recurso, não se admitindo em circunstância alguma a aplicação subsidiária do artigo 55.º do RGCO, declarando a sua inconsti- tucionalidade, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do direito de defesa, do direito ao recurso e do direito a impugnar atos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos, ínsitos nos artigos 20.º, n. os 1 e 5, 32.º, n.º 10, 29.º, n. os 1, 3 e 4, e 268.º, n.º 4, da CRP, e o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6.º da CEDH. Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar o presente recurso de consti- tucionalidade, com os fundamentos invocados, procedente com as devidas e legais consequências. […]” (itálicos acrescentados). 1.2.4. A Autoridade da Concorrência apresentou, por sua vez, contra-alegações, assim concluindo: “[…] A. No decurso de diligências de busca e apreensão de que a recorrente foi alvo, entre os dias 28.11.2018 e 21.12.2018, a AdC, em cumprimento do mandado emitido pela Exma. Senhora Procuradora do Ministério Público da Comarca de Lisboa (DIAP – Juízo de Turno), executou os atos de busca, exame, recolha e apreen- são previstos e necessários à determinação da existência de uma prática restritiva da concorrência (cfr. n.º 2 do artigo 17.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º da LdC).
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