TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

585 acórdão n.º 175/21 20.º O artigo 85.º da LdC interpretado e aplicado no sentido de dele resultar que está vedada a possibilidade de recurso a qualquer regime subsidiário em virtude da suposta suficiência daquela Lei tem como consequên- cia que, em face de atos ou medidas não decisórios da AdC, estaria o lesado pelos mesmos impedido de reagir imediatamente, ainda que tais atos e medidas fossem, em si mesmos, lesivos de direitos, em especial de direitos fundamentais. 21.º É, pois, evidente que o ordenamento jurídico não aceita este resultado, e, em particular, que a Lei Funda- mental não pode coexistir com semelhante interpretação da norma contida artigo 85.º da LdC. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 20.º n.º 1 da CRP, “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” e, com especial aplicação ao presente caso, impõe o n.º 5 do mesmo preceito constitucional que, “para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade , de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (sublinhado nosso). 22.º A Lei Fundamental impõe, assim, que todo e qualquer ato ou medida de uma autoridade administrativa em processo de contraordenação seja passível de recurso, se lesar imediatamente direitos e interesses dos particula- res, o que é frontalmente negado pelos temos em que aplicação do artigo 85.º da LdC é defendida pelo Tribunal da Relação. 23.º A medida da Qual a A. recorreu foi a de exame de correspondência eletrónica. 24.º Na perspetiva da A., o ato de visualizar e examinar – lendo o seu conteúdo, abrindo os respetivos anexos e tirando notas sobre os mesmos – elementos sujeitos ou protegidos por sigilo (de correspondência ou de advo- gado) – independentemente de depois vir a decidir-se (ou não) pela apreensão desses elementos – lesa, desde logo e imediatamente, esse mesmo sigilo, permitindo o conhecimento do conteúdo protegido pelo leitor que não é destinatário ou remetente dessa correspondência e alargando o círculo limitado de pessoas que tomaram conheci- mento do seu teor. 25.º Do mesmo modo, o ato de visualizar e examinar – lendo o seu conteúdo, abrindo os respetivos anexos e tirando notas sobre os mesmos – elementos, no contexto de uma busca autorizada, mas cuja visualização não foi autorizada por não serem relevantes para os factos em investigação, é equivalente ao ato de visualizar e examinar elementos no âmbito de uma busca não autorizada pela autoridade judiciária competente. contendendo, imedia- tamente, com o direito à vida privada, ínsito no artigo 26.º da CRP. 26.º Por último, o ato de visualizar, tomando conhecimento e anotando o respetivo conteúdo – mesmo não apreendendo – documentos e elementos de que não se podia tomar conhecimento (pelos motivos supra indicados), quando é adotado pela autoridade com poderes sancionatórios sobre a entidade detentora dos elementos em causa e sem que para tanto estivesse autorizada, viola o respetivo direito de defesa, decorrente do artigo 32.º, n.º 10, da CRP. 27.º Assim, a medida de que se recorre lesa imediatamente os seguintes direitos fundamentais da A., em concreto: (i) o direito ao sigilo das comunicações, constitucionalmente consagrado no artigo 34.º n.º 4 da CRP, por considerar que tal direito não pode ser restringido em processo de natureza contraordenacional e que, mesmo que pudesse, apenas poderia ser restringido mediante autorização judicial (e não do Ministério Público); (ii) o sigilo profissional de advogado, protegido pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsito no artigo 20.º da CRP), em particular de correspondência recebida e trocada com advogados internos e externos à A., depois de ter sido invocado o sigilo profissional por escrito, depois de a A. ter fornecido uma lista com os endereços dos seus advogados e depois de a A. ter, através dos seus representantes, salientado a impossi- bilidade de leitura e análise de mensagens protegidas sempre que as mesmas eram abertas pelos inspetores durante as buscas; (iii) o direito de defesa (cfr. artigo 32.º n.º 10 da CRP), porquanto a medida de exame de elementos sem cone- xão (material e temporal) com os factos que estavam em investigação nestes autos e que fundamentaram a decisão que autorizou a busca e o mandado subsequentemente emitido, por se tratar de uma ingerência nas suas instalações conduzida de forma arbitrária, não fundamentada e não autorizada por parte de uma auto- ridade administrativa (cfr. artigo 18.º n.º 3 da LdC), deliberadamente realizada com o intuito de encontrar

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