TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
578 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 21. Em segundo lugar, ainda que assim não fora e se admitisse a existência de uma lacuna do NRJC perante tais atos preparatórios e/ou de execução de atos decisórios e que legitimasse o chamamento subsidiário do art.º 55.º, n.º 1 do R.G.CO ., a inegável amplitude literal do artigo não pode obscurecer a necessidade de verificar cri- ticamente a aplicação casuística desse normativo. 22. Assim, apesar da doutrina de referência consignar, em anotação do elemento literal decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo e sem ulterior casuísmo relevante para o caso, a possibilidade recursiva de tais atos, impõe-se sublinhar que tais qualificadas opiniões não deixam de fazer menção ao critério de lesão imediata de direitos e interesses. 23. Ora, certamente que não se pode tresler tal critério operacional à luz de um entendimento de que a mera afetação de direitos no âmbito de uma diligência particularmente invasiva, como é o caso de buscas e apreensão, confere, ipso facto, o direito de recorrer direta e autonomamente de tais medidas. 24. Na verdade, os direitos fundamentais que a visada invoca são necessariamente direitos fundamentais postos em crise com qualquer diligência de busca e apreensão coativamente efetuada em ambiente de prova digital e/ou eletrónica, pelo que o reconhecimento desta legitimidade recursiva deve exigir uma grau mais profundo de análise hermenêutica, sob pena de defendermos que qualquer ato de colaboradores da autoridade administrativa durante tais diligências poder encerrar tal lesão processualmente relevante. 25. Neste particular, a exemplificação de possíveis atos recorríveis que a interpretação proposta pela visada/ recorrente envolve pode conduzir, até, ao esvaziamento material da tutela jurisdicional interlocutória e na medida que bastará ocorrer compressão de um direito ou interesse para garantir uma via processual autónoma. 26. O critério de lesão imediata de direitos e interesses deve subentender, em nosso parecer, a existência de ofensa potencial desses direitos e interesses que configure um ato cuja proteção do alcance lesivo não se encontre processualmente acautelado e que, por isso mesmo, mereça uma tutela antecipada, direta e imediata. 27. Neste conspecto, como temos vindo a assinalar em várias decisões, os poderes de busca, exame, recolha e apreensão previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 18.º do NRJC traduzem-se numa “das linhas de força do novo RJC: a maior agressividade em termos de meios coativos”, tanto nos locais onde as diligências podem ser efetuadas como em relação à documentação, independentemente da sua natureza e suporte – Lobo Moutinho e Pedro Duro, Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense, Almedina, pág. 209. 28. Todavia, por uma opção expressa e inequívoca do legislador, tais diligências estão sujeitas a um regime de controlo e validação de autoridade judiciária, integrando a proteção qualificada de espaços domiciliários ou equiparados (depen- dência fechadas, escritórios de advogados ou consultórios) e de apreensão de documentos – cfr. artigos 19.º, 20.º e 21.º do NRJC – em linha com os poderes de investigação criminal. 29. Por via da tutela e da dignidade constitucional conferida aos direitos, liberdades e garantias conexiona- das com a proteção da vida privada, do domicílio, da correspondência ou das telecomunicações, o legislador foi clarividente ao atribuir competência jurisdicional própria, exclusiva e autónoma às autoridades judiciárias com competência em matéria criminal para as diligências de busca e apreensão de documentos de visadas em processo contraordenacional e no âmbito do NRJC. 30. Esta definição do foro de competência, por um lado, delimita o exercício dos poderes de investigação e aquisição probatória atribuídos à AdC, e, por outro, garante um nível de proteção dos direitos e interesses das visa- das acrescido pela via da equiparação das diligências de busca, exame, recolha e apreensão, previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 dos arts.º 18.º, 19.º e 20.º do NRJC, às diligências de busca e apreensão do processo penal. 31. O que vale por dizer que a proteção do sigilo de correspondência da visada e dos seus colaboradores, do sigilo pro- fissional de advogado e do direito à intimidade da vida privada já se encontra abrangida pela atribuição da competência jurisdicional própria, exclusiva e autónoma àquelas autoridades judiciárias com competência em matéria criminal, devendo ser necessariamente sindicado aquando da emissão do mandado e da respetiva autorização judicial, sem prejuízo da sindicância da sua validade, legalidade e regularidade. 32. Por outro lado, o exame de prova com potencial relevância em ambiente digital e/ou eletrónico nada tange com o direito de defesa das visadas em processo contraordenacional, posto que esse ato preparatório não conforma qualquer posição processualmente relevante nem sequer tange sequer com o objeto da imputação contraordenacional.
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