TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

572 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL presente caso, de matéria penal, estamos no âmbito de aplicação de um direito subjetivo ao recurso – isto é, que de um direito subjetivo específico, e não uma mera exigência decorrente da ideia de tutela jurisdicional efetiva –, envolvendo a garantia de um duplo grau de jurisdição, que a jurisprudência constitucional tem reconhecido, em determinados casos, em processo penal. Todavia, é igualmente certo que não se reconheceu, em caso algum, um direito geral e indiscriminado ao recurso de todas e quaisquer decisões judiciais, mesmo em matéria penal. Por isso, e atenta a necessidade de encontrar um ponto de concordância prática entre os direitos de defesa do arguido e os valores da celeridade e segurança na administração da justiça penal, não se afigura, desta perspetiva, que a interpretação normativa questionada possa ser considerada desconforme à Lei Fundamental. 14. Alega, porém, o recorrente, estar em causa uma decisão violadora de direitos fundamentais, designa- damente, do direito a produzir prova, que “está inscrito no núcleo essencial das garantias de defesa”. Acres- centa o recorrente que “se ao Arguido é cerceado o direito a produzir prova – prova que considera impres- cindível para defender a sua inocência – de nada lhe serve ter direito ao recurso da decisão final de mérito, que não pôde apreciar essa prova”. Estaria, pois, em causa, no seu entender, uma decisão jurisdicional que impõe restrições a direitos, liberdades e garantias, da qual tem de haver recurso, seguindo a jurisprudência plasmada no Acórdão n.º 40/08, deste Tribunal, que afirma que “é sustentável que, sendo constitucional- mente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer atos lesivos dos direitos dos cidadãos ( maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses atos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, forçoso é que se garanta o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atua- ções materiais) que constituam a causa primeira e direta da afetação de tais direitos. Considera-se, pois, que quando uma atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação. Mas quando a afetação do direito fundamental do cidadão teve origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já foi objeto de controlo jurisdicional, não é sempre constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão”. Este mesmo critério decisório – segundo o qual deverá haver recurso quando uma atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito funda- mental de um cidadão – foi reafirmado nos Acórdãos n. os  44/08 e 197/09. 15. Contudo, e ainda que se subscrevesse a alegação do recorrente de que está aqui em causa um direito fundamental de defesa do arguido em processo penal, protegido pela norma do n.º 1 do artigo 32.º da CRP – o direito a produzir prova – sempre se afigura que é de aplicar a esta situação o critério e o fundamento mobilizados na decisão do Acórdão n.º 740/20, que temos vindo a acompanhar em pontos-chave. De facto, também aqui se crê que “a norma em apreço se afasta, quanto a pontos essenciais, do percurso argumenta- tivo e da fundamentação adotada pelo Tribunal Constitucional, justificando-se, por isso, nesta situação, um desvio à jurisprudência consagrada pelo Acórdão n.º 40/08”. Vejamos porquê. Em primeiro lugar, como acima se explicou, a quebra de sigilo aqui em causa situa-se no quadro de um processo penal, ao abrigo do dever das testemunhas de responder com verdade às perguntas que lhes são dirigidas, plasmado na alínea d) do n.º 1 do artigo 132.º do CPP. Contudo, e atentos os valores protegidos pela figura do sigilo profissional, há que assegurar que os dados trazidos para o processo são, unicamente, os indispensáveis para o apuramento da verdade de factos essenciais ao julgamento da causa. Assim, o sigilo profissional cobre, na situação analisada, uma zona de segredo sujeita a intensa atividade de concordância prática com outros direitos e valores constitucionalmente protegidos. Precisamente devido à compreensão do problema numa zona que exige ponderação legislativa, a alegada afetação do direito a produzir prova no processo resulta da decisão do legislador que, num exercício de con- jugação entre direitos e interesses constitucionalmente relevantes, entendeu que o dever de sigilo profissional pode ser dispensado, mas tão-só nas situações em que o tribunal entenda que parte da informação por ele abrangida é relevante para a resolução da causa. Ou seja, o levantamento do sigilo profissional não pode

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