TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

571 acórdão n.º 163/21 conflituantes. Assim, por força do n.º 3 do artigo 135.º, do CPP, sendo legítima a escusa, a apreciação positiva da ocorrência do dever de segredo pelo tribunal de primeira instância impõe que seja o tribunal imediatamente supe- rior a reapreciar a validade da escusa e, igualmente, decidir de forma definitiva se os interesses da verdade material no processo em curso devem prevalecer em relação ao segredo”. 12. Nestes termos, o problema de constitucionalidade em análise consiste em saber se decorre do direito ao recurso e às garantias de defesa, na sua específica dimensão processual penal, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a necessidade de reapreciação por um tribunal superior da decisão tomada pelo Tribunal da Relação acerca do levantamento do sigilo profissional, tendo em atenção os passos processuais que a prece- dem, e que acima se descreveram. A questão fundamental é, pois, no presente caso, a seguinte: o sistema de autorização judicial de levan- tamento do sigilo profissional, globalmente considerado, e tendo em conta, designadamente, quer os sujeitos envolvidos, quer a posição do detentor do poder de decisão e o concreto iter processual, oferece garantias suficientes, no quadro do ordenamento processual penal, em termos que permitam, considera-lo conforme à Constituição, e às específicas garantias de defesa em matéria penal? É indispensável notar, desde já, que o sistema desenhado pelo legislador não visa, de forma alguma, postergar as garantias de defesa em processo penal. Pelo contrário, toda a construção legislativa respeitante ao sistema de levantamento do sigilo profissional mostra uma vontade efetiva de tutelar, adequadamente, todos os direitos e interesses em causa. Mais uma vez, vale, neste caso, o que se disse no Acórdão n.º 740/20: “É verdade que não o faz através da consagração da figura do recurso, tendo procurado um equilíbrio que permita proteger, igualmente, os valores da celeridade e segurança na administração da justiça, no quadro de um incidente processual que tem uma dimensão marcadamente objetiva. Mas é indiscutível que aquele princípio não foi postergado na ponderação com vista a uma concordância prática dos interesses conflituantes, cujo resultado se consubstancia na norma objeto do presente recurso de constitucionalidade.  É, pois, precisamente em homenagem à tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente assegurada, que a lei atribui a um tribunal superior tal competência de reexame e de verificação da proporcionalidade (de resto, é o próprio artigo 135.º, n.º 3, CPP que determina os critérios a serem observados), na fase derradeira do incidente processual de quebra de sigilo (...) em que necessariamente o tribunal a quo já realizou uma primeira avaliação – em sentido positivo – da existência de cobertura da situação pelo dito dever de sigilo. Ou seja, o legislador teve em consideração o caráter eventualmente gravoso do levantamento do sigilo bancário, bem como a delicadeza dos bens e direitos fundamentais potencialmente contrastantes, e, nessa medida, assegurou a intervenção de um tribunal superior – funcionando em coletivo e, em tese, mais qualificado – para efetuar a ponderação determinante.  Mais, este tribunal superior encontra-se completamente afastado do litígio, não sendo o tribunal competente para aferição do mérito da causa, podendo, por isso, agir como um terceiro imparcial. (...) Assim, ainda que possa entender-se que uma decisão deste teor por parte de um Tribunal da Relação – que, como acontece nestes autos, não esteja, por competência própria, a funcionar em juízo originário – não constitui uma decisão proferida em 1.ª instância, (...) não pode deixar de reconhecer-se que o legislador quis, de alguma maneira, – e disso se assegurou –, uma proteção reforçada do direito à tutela jurisdicional efetiva, nesta matéria”. 13. Ora, ainda que devam ser consideradas, neste caso específico, as exigências reforçadas decorrentes do facto de nos situarmos, desta vez, no âmbito do processo penal (e não de processo cível, como acontecia no Acórdão n.º 740/20), a verdade é que, também aqui, o sistema de proteção reforçada gizado pelo legislador parece situá-lo dentro da margem de liberdade de conformação que lhe é reconhecida pela CRP. Por um lado, e desde logo, porque, como o próprio recorrente o reconhece, por não estar aqui em causa uma decisão condenatória, mas sim de uma mera decisão incidental, no quadro de um sistema que tutela, de forma mais intensa, certo tipo de provas a produzir no processo, tendo em consideração os direitos e interesses constitucionalmente protegidos em tensão, em situações determinadas. Ora, é verdade que, tratando-se, no

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