TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

570 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Vejamos. Em primeiro lugar, destaque-se que a norma que está em disputa diz respeito à natureza da decisão que determina a quebra do sigilo profissional, no caso concreto, sigilo profissional de advogado. Efetivamente, é indispensável compreender que a questão de constitucionalidade a resolver se centra na interpretação nor- mativa do artigo 432.º, n.º 1, alínea a) , do CPP, no sentido de que não é recorrível para o STJ o acórdão da Relação que decide o incidente de levantamento do sigilo profissional previsto no artigo 135.º, n.º 3, do CPP, por não se entender que tal decisão, considerados os seus concretos elementos processuais e materiais, possa, verdadeiramente, ser considerada uma decisão em 1.ª instância. Como se afirma na decisão recorrida, “a decisão do tribunal da Relação, embora diga respeito a um processo que corre em primeira instância, não corresponde a uma decisão proferida no exercício de uma competência de tribunal de 1.ª instância, mas sim, a uma decisão da competência de “tribunal imediatamente superior” a este (1.ª instância), dentro da hierar- quia dos tribunais. Pelo que, não correndo e não devendo o processo ser julgado no tribunal da Relação e tendo a decisão recorrida sido proferida por este tribunal por, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º do CPP, ser o imediatamente superior ao tribunal onde foi suscitado o incidente, não pode esta decisão ser considerada como uma “decisão da relação proferida em 1.ª instância”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea a) , do CPP, segundo o qual se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça “de decisões das relações proferidas em 1.ª instância””. Nestes termos, não é tarefa acometida a este Tribunal Constitucional decidir se a decisão da Relação constitui, ou não, uma decisão de primeira instância. Essa é uma questão de interpretação do direito infra- constitucional, que este Tribunal tem repetidamente afirmado ser da exclusiva competência dos tribunais comuns. Do que aqui se trata é, pois, de indagar se uma interpretação que exclui da hipótese normativa da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP a decisão sobre a quebra de sigilo profissional, tomada nos termos previstos no artigo 135.º, n.º 3, do CPP, impedindo, assim, a interposição de recurso para o STJ –, viola, ou não, as normas e princípios constitucionais invocados pelo recorrente. 11. Estabelecido este ponto de partida, de novo se remete para o percurso argumentativo percorrido no Acórdão n.º 740/20: “Sendo certo que, como acabou de se afirmar, a aplicação e a interpretação quanto à forma de tramitação deste incidente processual são matérias de direito infraconstitucional para as quais são competentes os tribunais comuns, é necessário perscrutá-lo, ainda que apenas topicamente, de forma a confrontar a sua compatibilidade com os parâmetros da CRP ora relevantes. No que respeita a tal incidente de quebra de segredo profissional, vislumbram-se duas fases: ao tribunal de pri- meira instância cabe pronunciar-se quanto à legitimidade da escusa da prestação de depoimento ou da informação em causa, não tendo lugar um juízo de ponderação de interesses no intuito de determinar o prevalecente; o tribunal de primeira instância verificará se a respetiva situação está, ou não, coberta pelo dever de segredo e, bem assim, por esta dimensão do direito fundamental de reserva da vida privada. Ao tribunal imediatamente superior compete, por sua vez, decidir se se deve proceder, ou não, à quebra do sigilo, reapreciando a questão e atendendo ao juízo de ponderação e proporcionalidade da pluralidade de direitos, interesses e bens constitucionalmente protegidos em confronto. Desta estrutura do regime legal decorrem duas hipóteses contrastantes. A escusa pode ser considerada ilegítima, pelo tribunal de primeira instância, quando não se confirmar, segundo o seu entendimento, que o facto analisado está protegido pelo segredo profissional e, bem assim, pelo direito à reserva da vida privada nesta dimensão. Nesta circunstância, não se cogita de uma quebra de sigilo porque não incide qualquer dever desse tipo sobre a situação, não sendo por ele abrangida. Nesse contexto, o direito fundamental do artigo 26.º da CRP não sofrerá qualquer afetação. Ao contrário, a escusa é considerada legítima, pelo tribunal de primeira instância, quando o facto controvertido for classificado como englobado pelo segredo profissional e pela reserva da vida privada. Nesse caso, que foi o que, no presente processo, se verificou, o tribunal a quo reconhece a incidência de tais garantias e remete para o seu tribunal ad quem a conclusão do incidente da quebra do sigilo, de que resultará a definitiva tutela dos interesses

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