TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
57 acórdão n.º 123/21 também no quadro de uma eventual violação do artigo 8,º «o artigo 2.º da Convenção, que impõe às autori- dades o dever de protegerem as pessoas vulneráveis, defendendo-as dos seus comportamentos que ameacem a sua própria vida», porquanto «aquela disposição obriga as autoridades nacionais a impedirem um indivíduo de pôr termo à vida nos casos em que a sua decisão não seja tomada de forma livre e com conhecimento de todas as circunstâncias» (§ 54; no mesmo sentido, vide o acórdão [Tribunal Pleno] de 5 de junho de 2015, Lambert et autres c. France, Queixa n.º 46043/14, §§ 136 e segs., em especial o § 142; e o acórdão (Sec.) de 22 de novembro de 2016, Hiller v. Austria , Queixa n.º 1967/14, § 49). No caso Lambert , o TEDH afirmou igualmente: «117. O Tribunal recorda que a primeira frase do artigo 2.º [– o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei –], que se encontra entre os artigos primordiais da Convenção, na medida em que consagra um dos valo- res fundamentais das sociedades democráticas que constituem o Conselho da Europa […], impõe ao Estado não apenas que se abstenha de causar a morte “intencionalmente” (obrigações negativas), mas também que tome as medidas necessárias à proteção da vida das pessoas sob a sua jurisdição (obrigações positivas). […] 140. O artigo 2.º impõe ao Estado que tome as medidas necessárias à proteção das pessoas sob a sua jurisdição; no domínio da saúde pública, tais obrigações positivas implicam a instituição pelo Estado de um quadro norma- tivo que imponha aos hospitais, privados ou públicos, a adoção de medidas que assegurem a proteção da vida dos doentes […]» É conhecido, em todo o caso, que, em geral, um direito inicialmente concebido contra o Estado (sem prejuízo de, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, também se poder dirigir contra as «entidades privadas») e o dever estadual de proteger tal direito não se confundem. E assim também sucede no tocante ao direito à vida, apesar de toda a sua importância (cfr. supra o n.º 26, in fine ). O direito à vida, na sua dimensão de direito de não ser morto, proíbe comportamentos determinados, atentatórios da vida humana; já o dever de proteção da vida impõe atuações não pré-determinadas mas com um sentido ou a finalidade de salvaguar- dar o bem vida. Daí que «o regime de proteção da vida humana, enquanto bem constitucionalmente prote- gido, não [seja] o mesmo que o direito à vida, enquanto direito fundamental das pessoas, no que respeita à colisão com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição…, cit., anot. VI ao artigo 24.º, p. 449). Na verdade, compete ao legislador conceber modelos de proteção e de os estabelecer normativamente, gozando para o efeito de uma liberdade de conformação mais ou menos ampla. Isso mesmo reconhecem Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva: «no cumprimento dos referidos deveres de atuação [– deveres esses dirigidos à promoção e proteção do bem vida nos mais diversos domínios do agir humano –], e apesar do seu permanente comprometimento com a vida, os legisladores penal, civil ou administrativo nunca surgem desprovidos de margens de liberdade de conformação, que por vezes podem revelar alguma amplitude» (v. Constituição…, cit., anot. IV ao artigo 24.º, p. 502). Daí que as possibilidades de controlo de eventuais défices de proteção também sejam limitadas, cingin- do-se genericamente à verificação da omissão de quaisquer medidas de proteção ou à verificação da inade- quação manifesta daquelas que foram adotadas ou à sua total insuficiência para alcançar o fim de proteção devido. Em todo o caso, também é claro que o grau de exigência de proteção aumenta não só em função da importância do bem a proteger, como da menor valia constitucional do interesse contraposto e que justifica a afetação de tal bem. Se a vida humana, mesmo do ponto de vista do seu titular, não é um bem como qualquer outro, já que constitui a condição de possibilidade de todos os demais bens e até o pressuposto ontológico da dignidade da pessoa humana, isso não pode deixar de ter consequências na avaliação dos limites impostos pela consideração de outros bens à sua própria proteção. Aliás, esta consideração justifica uma aproximação ao problema da concordância prática a partir do ponto de vista do valor objetivo da vida humana, perspe- tivando os interesses ou bens que se lhe contraponham como limites mais ou menos amplos. Concorda-se,
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