TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
561 acórdão n.º 163/21 4.º O direito ao recurso tem de se entender como assegurado não só para a decisão de mérito, bem como para qualquer questão processual relevante ou determinante para o exercício da defesa, como sem dúvida acontece quando ao Arguido é coartado o direito a uma prova tida como fundamental para tal exercício. 5.º Por outro lado, a circunstância do incidente previsto no art, 135.º, n.º 3 do CPP ser decidido pelo Tribu- nal da Relação, relativamente a um processo que corre em 1.ª instância, muito embora se trate de um Tribunal diferente daquele o processo corre, não garante o núcleo fundamental que está incorporado no direito ao recurso, o qual consiste no direito a uma reapreciação da questão controversa por um tribunal diferente daquele que pri- meiramente a julgou.» Neste Tribunal Constitucional, os autos foram distribuídos ao relator originário que determinou a pro- dução de alegações, em 30 de setembro de 2020 (fls. 258). 5. Regularmente notificado, o recorrente apresentou alegações (fls. 267-275, verso), cujas conclusões foram: «A. Está em causa o entendimento normativo dado ao art. 432.º, n.º 1, a) , do CPP, segundo o qual se recorre para o STJ de decisões das Relações proferidas em 1.ª instância. B. Relativamente a tal matéria, o STJ sustenta que as decisões proferidas pelas Relações ao abrigo do art. 135.º, n.º 3, do CPP – os incidentes relativos à quebra de segredo profissional – não são decisões proferidas em 1.ª instância, razão pela qual não se lhes aplica o regime do art. 432.º, n.º 1, al. a) , do CPP. É esse entendimento normativo que o recorrente julga que é inconstitucional, por violação das garantias de defesa e do direito ao recurso, previsto no art. 32.º, n.º 1, da CRP. C. Em face do regime legal previsto no art. 135.º, n.º 3, do CPP, o acórdão recorrido entende que não se está perante uma verdadeira decisão proferida em 1.ª instância pelas Relações, uma vez que o incidente é julgado na Relação, mas é previamente suscitado na 1.ª instância, constituindo tal dissociação “garantia processual satisfatória, dado o seu distanciamento relativamente ao caso concreto D. Ademais, segundo o STJ, a salvaguarda das garantias de defesa do Arguido não exigiria a possibilidade de impugnação de toda e qualquer decisão proferida ao longo do processo, impondo-se apenas o segundo grau de jurisdição relativamente às decisões condenatórias e àquelas que afetem direitos fundamentais do arguido, o que não seria o caso, uma vez que a pessoa visada pelo incidente em causa seria uma mera testemunha. E. Ressalvado o devido respeito, no julgamento da quebra de segredo profissional, o tribunal superior não funciona como uma instância residual, quando se suscitam dúvidas sobre a legitimidade da escusa, mas sim como uma instância de decisão do incidente de quebra do segredo, nas situações em que a escusa é legítima, pelo que não deve haver lugar a qualquer dúvida quanto ao facto de estarmos perante uma decisão proferida em 1.ª instância – cfr., no mesmo sentido, o acórdão do STJ proferido no processo n.º 12153/09.8TDPRT-A.P1.S1. F. Aquilo que o direito ao recurso assegura é que a decisão proferida, pela primeira vez, por um tribunal seja suscetível de reapreciação por um tribunal superior. G. In casu , quem aprecia o incidente é a Relação, não é a 1.ª instância, onde o mesmo foi suscitado, pelo que nos parece ser inequívoco que, nos incidentes em apreço, as decisões das Relações devem ser consideradas como decisões proferidas em 1.ª instância para os efeitos do art. 432.º, n.º 1, a) , do CPP. H. Não o sendo, parece manifesto que a interpretação restritiva adotada consubstancia uma inaceitável limitação do direito ao recurso, em termos que consubstanciam uma violação do direito constitucional consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP. I. Resta ponderar o argumento do STJ, segundo o qual, mesmo que assim fosse, não se justificaria a garantia do direito ao recurso porque não se estaria perante uma decisão condenatória, nem uma decisão que afete direitos fundamentais do arguido. J. Que não se trata de uma decisão condenatória, não se discute. Mas já não se aceita que não esteja em causa uma decisão que afete um direito fundamental do arguido. É que o direito do arguido a produzir prova está inscrito no núcleo essencial das garantias de defesa.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=