TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

56 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL poder viver uma vida com sentido, correspondendo à sociedade o dever de criar as condições. […] Uma coisa é o suicídio como facto individual; outra coisa é o suicídio socialmente organizado. A sociedade, com as suas estrutu- ras, tem o dever de cuidar, se possível; se não for possível, tem, pelo menos, o dever de aliviar o sofrimento» (Autor cit., “Il diritto di morire non existe” in Il Fatto Quotidiano di Silvia Truzzi , 14 Dicembre 2011). Na mesma linha, de afirmação de uma diferença essencial entre suicídio e ajuda ao suicídio, afirma Costa Andrade: «É precisamente a identificação da vida humana (de outra pessoa) como bem jurídico tutelado que empresta – e baliza – a indispensável legitimação material da incriminação do Incitamento ou ajuda ao suicídio. Uma legitimação que alguns pretendem questionar ou mesmo minar, a partir da irrelevância ou indiferença do suicídio para a ordem jurídico-penal. Só que esta indiferença do suicídio não se comunica necessariamente ao Incitamento ou ajuda ao suicídio. Trata-se, na verdade de ações distintas, com distintos sentidos, horizontes e sistemas de referência. O suicídio esgota o sentido no desempenho autorreferente e autopoiético da pessoa, não pertencendo ao sistema social […]. Já o auxílio ao suicídio assume uma irredutível valência sistémico-social: independentemente da singularidade da sua trajetória, esta ação projeta-se sobre a vida de outra pessoa. “As interferências de terceiros no suicídio, incitando ou auxiliando, não só produzem uma relação intersubjetiva, que é pressuposto de todo o ilícito, como se tornam socialmente desvaliosas” (Silva Dias, Crimes contra a vida , p. 67). Dito noutros termos, a interferência do terceiro converte o facto num facto pertinente ao sistema social, estando como tal, exposto aos seus códigos e valorações. Sendo assim, uma vez que quem é punido por incita- mento ou ajuda ao suicídio, não é punido “acessoriamente” por ilícito de terceiro, mas por ilícito próprio, fica infirmada a conhecida e recorrente objeção de que a punição da ajuda ao suicídio criminaliza uma participação num facto principal não punível” (Kubiciel, JZ 2009, p. 608 […]. Por maioria de razão, não pode considerar- -se fundada a objeção daqueles que estigmatizam a incriminação como mero reflexo de tabu e moralismo […]» (Autor cit., Comentário Conimbricense, cit., “Comentário ao artigo 135.º”, § 11, pp. 138-139). Do ponto de vista jurídico, a relevância ou projeção social da ajuda ao suicídio tem como reverso a sua sujeição às preocupações sociais e às medidas dimanadas em vista da proteção e promoção dos valores aco- lhidos na ordem constitucional. 30. A singularidade constitucional da dimensão subjetiva do direito à vida consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, assente em considerações de ordem literal e histórica e, outrossim, de natureza jurídi- co-sistemática – o direito à vida, recorde-se, é «o primeiro dos direitos fundamentais» e constitui «o pressu- posto fundante de todos os demais direitos fundamentais» (assim, Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, cits. anot. I, p. 501) ou é «um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais»; «o direito à vida é material e valorativamente o bem […] mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto» (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constitui- ção…, cit., anot. I ao artigo 24.º, pp. 446-447) – determinam-lhe um valor objetivo de não menor relevo, enquanto «princípio estruturante de um Estado de Direito alicerçado na dignidade da pessoa humana (artigo 1.º)» (vide aqueles primeiros Autores, ibidem ; cfr. também supra os n. os 24, 25 e 26). Um tal direito implica, assim, necessariamente, o reconhecimento de um exigente dever para o Estado, e em particular para o legislador, de proteger e promover a vida humana. Em relação a esta, o Estado de direito democrático não é neutro nem pode ser indiferente, sob pena de negar um dos seus fundamentos e de comprometer a possibilidade de respeitar e fazer respeitar e, bem assim, de garantir a «efetivação dos [outros] direitos e liberdades fundamentais» (cfr. o artigo 2.º da Constituição). De resto, e sem prejuízo de distintos acentos tónicos e de distintas concretizações que no desenvolvi- mento destas premissas se possam colocar em função dos diferentes contextos normativos, o TEDH também já as reconheceu e sublinhou devidamente a respetiva importância. Assim, por exemplo, no caso Haas c. Suisse , cit., considerou que a CEDH deve ser lida como um todo, daí resultando a necessidade de considerar,

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