TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
559 acórdão n.º 163/21 E o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, preceito este alegado pelo recorrente, sobre “garantias de processo penal”, segundo o qual “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. A jurisprudência e a doutrina têm salientado que o artigo 20.º, da CRP não impõe ao legislador que garanta aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição, por via de recurso. Embora se reconheça uma certa mar- gem de conformação neste domínio, de modo a garantir o direito ao recurso a todos os intervenientes processuais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impõe-se, contudo, que, no âmbito do processo penal, seja garantido um direito ao recurso enquanto componente do direito de defesa (artigo 32.º, n.º 1), ou seja, o direito do arguido a um duplo grau de jurisdição. Dito de outro modo, se é certo que ninguém pode ser privado de levar a sua causa à apreciação de um tribunal não é menos certo que essa forma de tutela fundamental não é irrestrita. Necessário se torna que haja relação “com a defesa de um direito ou interesse legítimo” ainda que difuso e que seja vedada ao interessado o reconhecimento desse direito através da via judiciária. De resto, é jurisprudência constitucional firmada a de que a garantia do duplo grau de jurisdição no âmbito do processo penal releva da alguma situação que contenda com a privação, limitação ou restrição de direitos dos sujeitos processuais, podendo admitir-se que a faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e relativamente a certos atos judiciais. O Tribunal Constitucional (TC) no acórdão n.º 589/05, diz, para além do mais, que e cita-se “ (…) do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição não decorre um direito geral ao recurso”, e que “é entendimento pacífico na jurisprudência constitucional que o direito de acesso à justiça não comporta o sistemático exercício do direito ao recurso”, e ainda que “ainda que se considere (…) que a decisão da Relação foi proferida em primeira instância, tal não implica a procedência das razões invocadas pela recorrente”, pelo que “não é possível sustentar que do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição decorre, sem mais, o direito do titular do direito ao sigilo profissional, a quem foi ordenada a prestação de depoimento em processo penal com quebra desse mesmo sigilo, de interpor recurso da correspondente decisão judicial, para obter a reapreciação dessa decisão”. No caso em apreço, não está em causa o direito do arguido ao recurso (artigo 32.º, n.º 1), mas sim, o direito de acesso ao direito e aos tribunais (tutela jurisdicional efetiva), que diz respeito à defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido (artigo 20.º, n.º 1). As legítimas expectativas criadas foram acauteladas constitu- cionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para a Relação, por força da conjugação dos artigos 432.º, n.º 1, al. c) e 427.º, ambos do CPP, inexistindo qualquer violação de normas constitucionais. Ora, como atrás se disse, o interesse que o dever de segredo legalmente imposto à testemunha arrolada pelo recorrente visa proteger, foi reconhecido no processo ao ser considerada legítima a recusa. Ao ser chamado a deci- dir sobre a quebra de sigilo, o tribunal da Relação não tem que equacionar esse interesse, mas apenas o interesse público na perseguição de infrações criminais, na ponderação da colisão de deveres que se impõem ao recorrente e não da restrição de um direito já reconhecido. A apreciação do pedido de quebra de sigilo tem lugar no âmbito de um incidente com uma estrutura especial. É inequívoco, portanto, que esse incidente nada tem a ver com as referidas fases típicas do processo penal, mas isso não autoriza que se classifique como de mérito a decisão que o encerra e que, note-se bem, nem sequer tem de ser um acórdão do tribunal superior. Diga-se ainda, que o artigo 32.º, n.º 1, da CRP consagra, é certo, o direito ao recurso como garantia de defesa. Mas, conforme o Tribunal Constitucional tem afirmado de forma consistente,” o direito ao recurso expressamente referido no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, entre as garantias de defesa do arguido, não exige a possibilidade de impugnação de toda e qualquer decisão proferida ao longo do processo, impondo apenas que necessariamente se assegure um segundo grau de jurisdição relativamente às decisões condenatórias e àquelas que afetem direitos fundamentais do arguido, designadamente a sua liberdade”(…) “…a razão da conformidade ou desconformidade constitucional das opções normativas… assentava fundamentalmente na onerosidade dos efeitos dele decorrentes, na concreta dinâmica processual em que foram praticados, apenas se admitindo como constitucionalmente legíti- mas soluções de irrecorribilidade que não afetassem o núcleo essencial do direito de defesa do arguido (designada- mente, por estarem em causa meras questões incidentais ou interlocutórias cuja decisão por uma única instância
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