TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

55 acórdão n.º 123/21 Vai nesse sentido o entendimento do TEDH de que «o direito de uma pessoa decidir de que modo e em que momento a sua vida deve terminar, desde que esteja em condições de formar livremente a sua vontade a esse respeito e de agir em conformidade é um dos aspetos compreendidos no direito ao respeito pela vida privada consagrado no artigo 8.º da Convenção» (vide o acórdão [Sec.] de 20 de janeiro de 2011, Haas c. Suisse , Queixa n.º 31322/07, § 51; confirmando esta jurisprudência, vide os acórdãos [Sec.] de 19 de julho de 2012, Koch c. Allemagne, Queixa n.º 497/09, § 52; e de 14 de maio de 2013, Gross c. Suisse , Queixa n.º 67810/10, § 59). Contudo, neste processo, não é necessário tomar posição sobre tal matéria, porquanto não está em causa a conduta isolada de alguém que quer pôr termo à própria vida, mas a assistência de profissionais de saúde, num quadro de atuação regulado e controlado pelo Estado, à antecipação da morte de uma pessoa a pedido desta. Ora, esta colaboração voluntária de terceiros em vista da prática ou ajuda à prática do ato de antecipação da morte coloca problemas de natureza diversa, que transcendem a esfera pessoal de quem pretende morrer, projetando-se socialmente com implicações para o dever (estadual) de proteção da vida. E é a configuração deste, em razão da importância fundante do bem em causa para todos os demais direitos fundamentais que se impõe começar por analisar. Certo é que em Portugal o suicídio tentado não é punível e que mesmo as intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos levados a cabo de acordo com as leges artis tendo em vista prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal só podem ser realizados com consentimento do paciente (cfr. os artigos 150.º e 156.º do Código Penal). De todo o modo, a continuidade – até à data inques- tionada quanto à sua legitimidade constitucional – dos tipos incriminadores «Homicídio a pedido da vítima» e «Incitamento ou ajuda ao suicídio» (artigos 134.º e 135.º do Código Penal), mesmo depois de aprovado o Decreto n.º 109/XIV (cfr. o respetivo artigo 27.º), constitui um indício forte no sentido do não reconhe- cimento de um direito fundamental fundado na autodeterminação do próprio quanto à disponibilidade da sua própria vida, por razões de defesa do bem vida e da própria liberdade-autonomia daquele que deseja a sua morte. O ato de suicídio corresponde, em tal enquadramento, a um mero agere licaere , a uma atuação de facto (expressão da simples possibilidade individual de atuar) e que é juridicamente irrelevante – e, portanto, também não punível –  consistente na disposição de um bem que se encontra na esfera de ação do próprio, e não a uma liberdade juridicamente conformada e protegida. Ora, na ausência do reconhecimento desse hipotético direito fundamental a uma morte autodetermi- nada, seguindo, na esteira do TEDH, a via da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht e do Verfassungsge- richtshof já mencionada (cfr. supra o n.º 15), subsistem as complexas questões relacionadas com as omissões relevantes e o direito ou o dever de intervir de terceiros nas situações em que o suicida ou o ativista em greve de fome perde o controlo da situação – o domínio do facto – já depois de iniciada a ação autodestrutiva (por exemplo, devido a entretanto ter ficado inconsciente). 29. A referida diferença, que vai da intranscendência social do ato de quem, seja pelas razões que for, se mata, e a passagem ao patamar da organização social foi bem salientada por Zagrebelsky (antigo Presidente da Corte Costituzionale ), em resposta à questão de saber se não seria contraditório o silêncio da lei relativa- mente ao suicídio tentado quando confrontado com a punibilidade da ajuda ao suicídio, visto em ambos os casos estar em causa a mesma realidade, ou seja, o suicídio: «[S]e alguém se mata, isso é considerado um facto, um mero facto que […] permanece dentro da sua esfera jurídica pessoal. Porém, entrando em jogo outra pessoa, isso transforma a situação num facto social, mesmo que isso envolva apenas duas pessoas: quem pede para morrer e quem a ajuda. Mais ainda se entrar nesse processo uma organização, seja ela pública ou privada, como na Suíça ou na Holanda. […] Se a maioria dos casos de suicídio deriva da injustiça, da depressão ou da solidão, o suicídio, como facto social, levanta uma outra questão. A socie- dade pode dizer, está bem, podes sair do caminho [ va bene, togliti di mezzo ], e nós até te ajudamos a fazê-lo? Não é muito fácil? Mas dever do Estado não é o contrário: dar esperança a todos? O primeiro direito de cada pessoa é

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