TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
548 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL direitos fundamentais caracteristicamente restringidos pela pena, o que não pode ser aceite, já que é a gravidade da pena que se reflete na esfera pessoal do arguido. Quanto mais grave a pena aplicada ( i. e. quanto mais intensa for a potencial violação dos direitos fundamentais do arguido), maior necessidade existe de garantir o direito ao recurso – ou de, em compensação, contrabalançar a afetação da posição processual do arguido com a proteção de um interesse público igualmente valioso. Ora, a norma em apreciação, e que foi julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 429/16, refere-se à conde- nação em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos. Uma tal pena não pode considerar-se como uma pena de menor gravidade dentro do universo das penas abstratamente aplicáveis. Desde logo, porque a pena de prisão constitui a mais intensa restrição a direitos fundamentais admissível no ordenamento jurídico-penal português, comprometendo o valor da liberdade. Além de se revestir de uma conotação fortemente pejorativa por se encontrar associada a uma ideia de infâmia social o que a torna na pena mais estigmatizante de todas as sanções, não será excessivo lembrar que o cumprimento da pena de prisão – diferentemente de outro tipo de penas, designadamente não detentivas [-], implica inevitavelmente a “dessocialização” do condenado que se vê forçado ao afastamento do meio familiar, profissional e social.» E, mais adiante, afirma-se, com referência à pena de multa, mas em ponderação extensível a outras penas não privativas da liberdade, como a pena de suspensão de execução de prisão: «23 – Esta distinção entre as penas privativas e não privativas da liberdade, aliás, resulta evidenciada em recen- tes acórdãos do Tribunal Constitucional que se debruçaram sobre dimensões extraídas do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP, referentes a condenação em pena de multa. É o caso, designadamente, do Acórdão n.º 672/17, da 3.ª Secção, em que o Tribunal não julgou inconstitucional a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, perante a absolvição ocorrida em 1.ª instância, condene o arguido em pena de multa alternativa, atentando, no âmbito do estabelecimento das consequências jurídicas do crime subjacente a tal condenação apenas nos factos tidos por demonstrado na sentença absolutória, e o Acórdão n.º 128/18, da 1.ª Secção, que não julgou inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que, após decisão absolutória de 1.ª instância, condenem e apliquem pena de multa a arguida pessoa coletiva. Nestes acórdãos o Tribunal relevou as diferenças de que se reveste o processo decisório de aplicação de uma pena de prisão relativamente à aplicação de uma pena de multa (designadamente uma pena de multa alternativa ou uma pena de multa a uma arguida pessoa coletiva) e o reflexo que essas diferenças têm na possibilidade de antecipação da defesa do arguido, concretamente em sede de contra-alegações no recurso interposto da sua absolvição. Reconheceu que, tal como sucede nos casos de aplicação de uma pena de prisão efetiva, também nos casos de aplicação de uma pena de multa o direito ao recurso que ao arguido é constitucionalmente reconhe- cido, ao esgotar-se na garantia do duplo grau de jurisdição, fica limitado à faculdade de influir ex ante no juízo decisório que o tribunal ad quem terá de desenvolver para fixar os termos da respetiva responsabilidade, sem contemplar a faculdade de impugnar o resultado de tal processo. O Tribunal considerou, porém, que nas situa- ções então em apreço o arguido tivera ainda a possibilidade de influenciar a medida da pena através dos argu- mentos articulados no âmbito das contra-alegações ao recurso interposto da decisão absolutória proferida em primeira instância, uma vez que estava em causa apenas a fixação do número de dias da pena de multa e respetiva taxa diária. Em conformidade concluiu que, apesar de não corresponder à mais ampla ou eficaz modalidade de concretização do direito ao recurso, a verificação da possibilidade de condicionar esse juízo não coloca tal direito aquém do ponto constitucionalmente prescrito pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Diferentemente da condenação em pena de multa, no caso de condenação em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos definida pelo Tribunal da Relação, «a dimensão inovatória da decisão proferida por aquele Tribunal inclui, para além da determinação da medida concreta da pena aplicada, outros dois momentos, igualmente compreendidos no processo decisório pressuposto pelo estabelecimento das consequências jurídicas do crime: um momento anterior, caracterizado pelo afastamento da pena de multa alternativa, sempre que esta se encontrar prevista no tipo legal aplicável; e um momento posterior, coincidente com a opção de não substituir a pena de prisão fixada
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