TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

546 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para reapreciação de declaração de culpabilidade ou das consequên- cias jurídico-penais inovatoriamente decididas pelos tribunais da relação ( i. e. em todos os casos em que não se verifique dupla conforme), atuando como segunda instância jurisdicional e em primeiro grau de grau de recurso. Por ser assim, assiste ao legislador democrático uma ampla liberdade de conformação na definição dos casos em que se justifica o acesso ao órgão cimeiro da hierarquia dos tribunais judiciais, contanto que assente em critérios que não padeçam de arbitrariedade, desrazoabilidade ou se mostrem desproporcionados. É disso exemplo o decidido no Acórdão n.º 49/03, no qual o Tribunal apreciou a conformidade consti- tucional da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, no sentido em que não admite o recurso para o STJ de decisão conde- natória proferida pela relação, em recurso de decisão absolutória proferida pela 1.ª instância, e que imponha uma das espécies de penas não privativas da liberdade: a pena de multa. Lê-se no referido aresto: «4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos. Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o processo. Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede. Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa. Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação entre o direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal (cfr. a conclusão D) . 5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal – exclui, nos casos nela previstos, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pela Relação. Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o Tribunal da Relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras palavras, o acórdão da Relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso. Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma decisão absolutória na primeira instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória: precisamente o acórdão da relação. Tal entendimento, não só encara o direito ao recurso desligado dos seus fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse), mas levaria também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar. Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspetivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão con- denatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1.ª instância. O que ninguém aceitará.

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