TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

53 acórdão n.º 123/21 ser ponderado por referência aos interesses contrapostos que com ele conflituam, com especial destaque para as obrigações estaduais positivas de proteção decorrentes do direito à vida consagrado no artigo 2.º da CEDH, na parte em que vinculam os Estados a proteger as pessoas vulneráveis contra decisões tomadas por si próprias que possam colocar em risco as suas vidas; e iv) os Estados beneficiam de uma ampla margem de apreciação para fazer essa ponderação, devido ao facto de estarem em causa problemas éticos, científicos e jurídicos relativos ao fim da vida e de não existir um consenso entre os Estados membros do Conselho da Europa nesse domínio. Ao referido acervo devem somar-se as já mencionadas decisões do Bundesverfassungsgericht e do Verfas- sungsgerichtshof (cfr. supra o n.º 15), que, assumindo a existência nas respetivas ordens jurídicas de um direito fundamental a uma morte autodeterminada, censuraram, como desproporcionadas, o que entenderam ser regulamentações restritivas de tal direito, a propósito de soluções legais incriminadoras de formas determina- das de apoio ao suicídio (caso alemão) ou mesmo incrimanadoras de tal ato (caso austríaco). E, bem assim, ainda que numa perspetiva diversa, porquanto acentua a relativa fluidez das fronteiras entre eutanásia passiva e eutanásia ativa, duas importantes decisões da Corte Costituzionale italiana com origem no caso Cappato – a Ordinanza 207/2018 ( Cappato ) e a Sentenza 242/2019. 27.3. Cumpre referir ainda que outras fontes, de direito internacional, universal e regional, existem e que igualmente se reportam ao direito à vida e ao direito ao respeito da vida privada e familiar. Tal é o caso de fontes adotadas no quadro do Conselho da Europa e da Organização das Nações Unidas (ONU). No âmbito do Conselho da Europa refiram-se a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina (usualmente designada por «Convenção de Oviedo»), celebrada em 1997 e entrada em vigor em 1999 (artigos 1.º, 5.º e 6.º); a Reco- mendação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa 1418 (1999), relativa à proteção dos direitos humanos e dignidade dos doentes terminais e moribundos e a sua Resolução 1859 (2012), relativa à proteção dos direitos humanos e da dignidade dos pacientes através da consideração dos seus desejos previamente expressos ( Parliamentary Assembly , Recommendation 1418 (1999), « Protection of the human rights and dignity of the terminally ill and the dying » e Parliamentary Assembly, Resolution 1859 (2012), « Protecting human rights and dignity by taking into account previously expressed wishes of patients »). No âmbito da ONU, merecem referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional dos Direitos Políticos e Cívicos (PIDPC) – os quais garantem o direito à vida e o direito à reserva da vida privada nos artigos 3.º e 12.º e nos artigos 1.º e 17.º, respetivamente. O Comité de Direitos Humanos da ONU teve já a oportunidade de se pronunciar sobre o regime jurídico de alguns Esta- dos-Membros que despenalizaram a eutanásia e, ou, o suicídio assistido no âmbito das avaliações periódicas relativas à implementação do PIDPC. Este foi, desde logo, o caso dos Países Baixos, que têm vindo a ser particularmente alertados para a necessidade de instituírem um procedimento de controlo prévio à realização de procedimentos de morte assistida. 28. O teor da consagração do direito à vida na Constituição portuguesa – a vida humana é inviolável – torna facilmente apreensível que aquele direito não tem uma dimensão negativa: ao direito de viver (e, portanto, de não ser morto) não se contrapõe um direito a morrer ou a ser morto (por um terceiro ou com o apoio da autoridade pública), um direito a não viver ou um direito de escolha sobre continuar ou não a viver (cfr. neste sentido o acórdão do TEDH [Sec.], de 29 de abril de 2002, Pretty c. Royaume-Uni, Queixa n.º 2346/02, §§ 39-40). Não se pode excluir, todavia, que um tal direito não possa resultar da liberdade de cada um se autodeter- minar, em função do seu projeto pessoal de vida (cfr., de novo, o caso Pretty c. Royaume-Uni , §§ 65 e 67, e a demais jurisprudência do mesmo Tribunal adiante citada), impondo um limite ao próprio dever estadual de proteção da vida decorrente do artigo 24.º, n.º 1. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, a «pro- teção da vida humana, enquanto valor em si, independentemente da sua subjetivização pessoal, levanta ainda

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