TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
524 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL requerer a abertura da instrução, ainda quando a não requeira ou não tenha legitimidade. Para este efeito, consagrou-se no n.º 8 do artigo 188.º, uma vez encerrada a fase de inquérito, um regime de acesso amplo de arguido e assistente ao acervo de gravações e comunicações efetuadas, com vista a possibilitar a promoção das que pretendam usar como meio de prova nas fases subsequentes do processo. Sem prejuízo destes ónus preclusivos que impendem sobre os assinalados sujeitos processuais, consagra-se no n.º 10 do artigo 188.º a possibilidade de o tribunal oficiosamente «proceder à audição das gravações para determinar a correção das transcrições já efetuadas ou a junção aos autos de novas transcrições, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa». Introduziu-se ainda, no n.º 11 do artigo 188.º, a possibilidade de terceiros, cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e transcritas, poderem examinar os respetivos suportes técnicos até ao encerramento da audiência de julgamento. 10. Apesar de o regime-regra ser agora o da tendencial preservação da integralidade dos suportes das conversações e comunicações, responsabilizando-se os sujeitos processuais pelas valências probatórias que deles pretendam extrair, continua a prever-se um conjunto de casos em que o juiz deverá ordenar a destruição imediata e definitiva dos suportes dessas interceções efetuadas. Tal sucederá apenas, conforme se estabelece no n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, quando se esteja perante «suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo», situações tipificadas nas diversas alíneas desse número. Relevante para a apreciação da norma objeto do presente recurso é a situação prevista na alínea a) , nos termos da qual o juiz deverá determinar a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios que disse- rem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal. Ora, o catálogo dos sujeitos constante desse preceito delimita precisamente o universo subjetivo em relação ao qual se pode ordenar a realização de escutas telefónicas, o que equivale a dizer que o legislador logrou uma coerência entre o regime da admissibilidade da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas e o da destruição dos suportes daquelas que tenham sido efetuadas. A coerência traduz-se no seguinte: não se podendo ordenar a interceção e gravação de conversas e comunicações contra determinada pessoa, também não se podem preservar quaisquer conversas e comunicações dessa pessoa que venham a ser inadvertidamente intercetadas. O que equivale a dizer que o critério determinativo da destruição das interceções deixou de estar indexado à sua relevância probatória para ser um critério de pura legalidade das escutas: serão destruídas de imediato aquelas escutas que não poderiam ser autorizadas, por visarem pessoas que não se enquadram nas categorias previstas na lei. 11. Neste quadro – o relevante para o presente recurso –, pode dizer-se que, mesmo que se pretendesse restaurar a linha jurisprudencial firmada nos Acórdãos n. os 660/06, 450/07 e 451/07, conferindo-se uma inequívoca preponderância às garantias de defesa do arguido em detrimento de considerações que relevam da esfera da privacidade de terceiros, as razões em que se funda não se estenderiam ao objeto do presente recurso. Com efeito, as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, vieram precisamente ao encontro das insuficiências apontadas nesses arestos e que conduziram aos juízos de inconstitucionali- dade. Por isso, não parece fazer sentido afirmar-se, como na decisão recorrida, que «a defesa tem o direito constitucional de, findo o período de segredo interno, conhecer a totalidade das escutas telefónicas realizadas no processo, só assim assistindo ao arguido a possibilidade de contrariar a interpretação que o Ministério Público e o juiz fizeram das conversações gravadas, só assim o arguido podendo verdadeiramente contraditar a prova da acusação». O que está em causa na norma em apreciação são elementos manifestamente estranhos ao objeto do processo – estranhos, bem se entenda, no mais forte dos sentidos, visto que se reportam a con- versações e comunicações entre pessoas que, em caso algum, poderiam ter sido alvo de interceções. Como a jurisprudência constitucional vem dizendo, as escutas telefónicas constituem uma forma parti- cularmente intrusiva de obtenção de prova, que se caracteriza por uma forte vocação lesiva, a qual se traduz, desde logo, na circunstância de não ser tecnicamente possível limitar a escuta e a gravação aos elementos com relevo direto para o processo para que são ordenados. Pela própria natureza das coisas, as escutas telefónicas
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