TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
523 acórdão n.º 147/21 fundamento à acusação), como não tem direito nem interesse processual em conhecer todos os expedientes ou diligências de que os órgãos de polícia criminal se serviram, segundo as estratégias de investigação que consideraram em cada momento adequadas ao caso e que tenham vindo a ser, entretanto, abandonadas. OTribunal não deixou também de notar que o risco de insuficiência ou de descontextualização das pas- sagens das gravações selecionadas, na medida em que dificultem ou impeçam a prova dos factos que constam da acusação, releva a favor do arguido, que poderá justamente utilizar a fase de instrução e de audiência de julgamento para fazer valer, por via do contraditório, as imprecisões e fragilidades das provas em que se funda a acusação, sem que para tal se exija a preservação de todos os elementos gravados, com o inerente perigo acrescido de reprodução e de devassa da vida privada de terceiros. Porém, mesmo concluindo que estas razões justificavam um juízo de não inconstitucionalidade sobre a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro, o Tribunal, perante a publicação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, entretanto já ocorrida, não deixou de dizer que se poderia considerar recomendável assegurar a integralidade das conversações telefónicas intercetadas por razões de mérito que relevem as vantagens daí advenientes para a justiça do caso concreto. 9. Cumprido este excurso pela mais relevante jurisprudência constitucional relativa ao regime da des- truição das escutas telefónicas e respetivos suportes técnicos, afigura-se que a resposta à questão de constitu- cionalidade posta nos presentes autos se torna já evidente. Em primeiro lugar, importa ter bem presente que a norma objeto do presente recurso difere substan- cialmente daquela que foi objeto de apreciação nos numerosos arestos referidos. Na realidade, o critério legal resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, no regime dos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal, no que à transcrição e destruição das interceções telefónicas diz respeito, traduz-se numa inversão do paradigma anterior. Na redação anterior do n.º 3 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, o critério relevante para determinar a destruição dos suportes das interceções telefónicas e similares era simétrico do critério justificativo da transcrição: como só eram mandadas transcrever aquelas gravações que o juiz de instrução criminal considerasse «relevantes para a prova», todas as demais seriam ime- diata e definitivamente destruídas, assistindo ao arguido unicamente a possibilidade de sindicar a fidelidade da execução das transcrições preservadas, mas não a possibilidade de promover o alargamento destas a outras gravações que reputasse relevantes para a sua defesa – fosse para contextualizar as selecionadas pelo juiz, fosse para efeitos probatórios distintos daqueles a que se reportavam as já transcritas. O regime-regra é hoje o oposto. Resulta da conjugação dos n. os 6, 8, 12 e 13 do artigo 188.º do Código de Processo Penal que, em prin- cípio, os suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações são sempre conservados até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, independentemente das transcrições que venham a ser ordenadas. Por outro lado, nos termos do n.º 7 do artigo 188.º, durante a fase de inquérito, o juiz de instrução criminal «determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência». Assim, a determinação das transcrições a efetuar na fase investigatória deixa de obedecer a um critério de pura relevância probatória, para passar a estar indexado às exigências cautelares que se façam sentir. A relevância probatória, designadamente tendo em vista a fase de julgamento e, se a ela houver lugar, a fase da instrução, obedecem agora a um regime que coloca num plano de igualdade Ministério Público, arguido e assistente. A estes sujeitos processuais cabe o ónus de promover a transcrição daquelas gravações ou comunicações que reputem relevantes para os interesses que promovem no processo, nos moldes delineados no n.º 9 do artigo 188.º do Código de Processo Penal. Assim, só podem valer como meio de prova nas fases subsequentes do processo as conversações ou comunicações que: (i) o Ministério Público mande transcre- ver e indique como meio de prova na acusação; (ii) o arguido transcrever no requerimento de abertura da instrução ou na sua contestação; e (iii) o assistente transcrever e juntar ao processo no prazo previsto para
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