TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

522 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de tais interceções telefónicas caiba exclusivamente a um juiz e que este se encontre adstrito a um apertado mecanismo de validação, cabendo-lhe especialmente averiguar, em hiatos temporais curtos e regulares, se a diligência, ordenada ou autorizada na perspetiva de que se reveste de «grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», tem o efetivo relevo probatório que a justificou. Assim, o sentido que é possível atribuir às disposições conjugadas dos n. os 1 e 3 do artigo 188.º, na assinalada redação, numa interpretação conforme à Constituição, que tenha presente o carácter excecional dos meios de obtenção de prova que envolvam a violação de direitos fundamentais dos cidadãos, é aquele que entrevê no procedimento judiciário previsto, nas suas diversas fases, uma orientação estritamente vinculada à obtenção dos elementos relevantes para a investigação, com a salvaguarda tão grande quanto possível da reserva de intimidade de vida privada. À luz deste entendimento, o Tribunal vincou que a faculdade processual atribuída ao arguido, no n.º 5 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redação apontada, não poderia deixar de se sintonizar com o previsto no n.º 3 desse preceito. Arguido e assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem cópia desses elementos. Porém, o exame incide apenas sobre os elementos transcritos, isto é, aqueles que, nos termos do n.º 3, foram considerados úteis para a investigação e poderão ser avaliados pelos interessados – mor- mente o arguido − para exercerem os direitos processuais que lhes correspondem. A consulta não pode abranger os elementos não transcritos, pela meridiana razão de que esses elementos − por força do princípio da menor intervenção possível, refratário do princípio da proporcionalidade − não têm, no juízo de um magistrado inde- pendente, interesse para o processo. A este propósito, o Tribunal asseverou que, face à natureza essencialmente investigatória do processo na fase de inquérito, o arguido não tem de se pronunciar sobre a relevância dos registos das escutas telefónicas, como não tem de tomar posição sobre o modo e o lugar da interceção ou o cir- cunstancialismo temporal em que ela deve ocorrer, aspetos que relevam de critérios de oportunidade que só ao Ministério Público cabe definir, sob pena de se frustrarem os objetivos da investigação. Assim sucede, segundo disse então o Tribunal, não apenas no que concerne às escutas telefónicas, como relativamente a qualquer outro resultado probatório que tenha sido obtido através de um outro meio de prova. Entendeu-se também que a destruição de elementos recolhidos e que o juiz tenha por probatoriamente irrelevantes, não colide com o princípio do contraditório, que, tal como está constitucionalmente consagrado, no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, apenas se torna aplicável nas fases subsequentes do processo penal, com exceção dos atos instrutórios que, pese embora praticados no âmbito do inquérito, possam pôr em causa direta- mente direitos do arguido e cuja amplitude se circunscreve aos atos relativos à aplicação de medidas de coação e às inquirições que devam ser feitas no inquérito para serem tomadas em conta no julgamento. Concretizando melhor o âmbito do princípio do contraditório consagrado no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, o Tribunal sublinhou que as garantias de defesa, reconhecidas no texto constitucional, não vão além, na parte relevante para o caso, da previsão de um processo criminal com estrutura acusatória em que apenas a audiência de julgamento e certos atos instrutórios especialmente previstos na lei estão subordinados ao princípio do contraditório. O princípio acusatório e o reconhecimento do direito de contraditoriedade visam assegurar ao arguido a possibilidade de, nas fases ulteriores do processo, contrariar as razões e as provas que tenham sido contra ele coligidas e tomar também iniciativas instrutórias e de realização de prova que considere pertinentes. Mas esse direito de contraditar existe somente em relação às provas em que se funda a acusação, as mesmas que serão ponderadas pelo juiz de instrução, para efeito de emitir o despacho de pro- núncia, e levadas a julgamento, para efeitos de eventual condenação do arguido. É só em relação a estas – e não a quaisquer outras que os investigadores tenham considerado irrelevantes ou tenham abandonado por considerarem imprestáveis para os fins de indiciação da prática de ilícito – que o arguido poderá responder, alegando as razões que fragilizam os resultados probatórios ou indicando outras provas que possam pôr em dúvida ou infirmar esses resultados. É o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investi- gação, que permite equilibrar a posição jurídica da defesa em relação à acusação e dar cumprimento ao prin- cípio da igualdade das armas. Assim, considerou-se que o arguido não tem verdadeiro interesse processual em contraditar as provas produzidas no inquérito que foram consideradas irrelevantes (e que não servem de

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