TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

521 acórdão n.º 147/21 gravações efetuadas e não apenas às inicialmente selecionadas pelo juiz sob proposta do Ministério Público. Só assim o arguido teria a oportunidade de requerer a transcrição de mais passagens do que as já transcritas – faculdade reconhecida no Acórdão n.º 426/05 –, quer por entender que poderiam ter relevância própria, quer por que seriam úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido das passagens selecionadas. Por outro lado, subscreveu-se a ideia de que o direito à palavra, consagrado no artigo 26.º da Consti- tuição, enquanto refração do direito à reserva de intimidade da vida privada, pressupunha a existência de comunicação espontânea, onde a ação comunicativa, porque exercida sem um intuito – ou sequer a cons- ciência – de se ser escutado, gera discursos fragmentários, de «expressão não refletida nem contida», cuja compreensão implica uma atividade de interpretação e integração. Por isso, a decisão unilateral e externa ao autor do próprio discurso, quanto ao se e ao modo da descontextualização de determinadas locuções, abre caminho a que às inferências de sentido iniciais se venham a sobrepor outras, numa escala potencialmente progressiva de redução da inteligibilidade do que foi dito. Perante um tal quadro, entendeu-se que a pleni- tude das garantias de defesa, nos termos consignados no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, impunha que ao arguido fosse facultado o acesso à integralidade das gravações efetuadas no decurso de operações de escutas telefónicas, antes que fosse dada a ordem da sua destruição parcial. Particularmente relevante para o caso vertente foi a forma como o Acórdão n.º 450/07 abordou a questão de saber se, em contraponto com os direitos de defesa do arguido, a destruição imediata das escutas tidas por probatoriamente irrelevantes não podia, afinal, ser adequadamente justificada por razões atinentes à proteção da reserva da intimidade da vida privada do próprio arguido e de terceiros, nos termos do artigo 26.º da Constituição. Como o Tribunal reconheceu, este tipo de comunicação, com as suas fronteiras fluidas, raramente se restringe à esfera pessoal daqueles que nela são diretamente visados, tendendo a comportar-se como «manchas que alastram». Admitindo que, em certos casos, a questão possa ser equacionada como uma colisão de direitos – o direito do arguido a um processo equitativo, com todas as garantias de defesa, onde se inclui a faculdade de acesso à integralidade das gravações efetuadas, pode conflituar, no modo concreto do seu exercício, com o direito de outrem à reserva de intimidade da vida privada –, o Tribunal advertiu que a sua resolução apenas poderá ser feita perante os contornos de cada caso concreto, nada legitimando que se conclua que a ordem judicial de destruição de parte das gravações efetuadas será sempre constitucionalmente devida, por corresponder à correção, feita pelo tribunal, da devassa da intimidade de terceiros. Ao invés, nas circunstâncias em que a colisão ocorra, impõe-se a ponderação entre o direito do arguido a um processo equitativo e os direitos de terceiros à reserva, podendo por isso vir a ser constitucionalmente permitida a destruição, sem a audição do arguido, daquela parte das gravações especialmente lesivas da privacidade de terceiros ou da tutela de segredo legítimo. Em última análise, cabe ao legislador ordinário identificar os casos típicos em que se traduz tal ponderação. 8.3. Atendendo à existência de vários votos de vencido apostos nos citados arestos, e para evitar diver- gências jurisprudenciais, determinou o Presidente do Tribunal Constitucional, com a concordância do Tri- bunal, ao abrigo do artigo 79.º-A, n.º 1, da LTC, a intervenção do Plenário, que, pelo Acórdão n.º 70/08, ainda que com diversos votos dissidentes, infletiu aquela orientação jurisprudencial, decidindo «não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa». A orientação assim definida foi posteriormente seguida nos Acórdãos n. os 128/08, 204/08, 205/08 e 378/08. O Tribunal começou por recordar que a admissibilidade de escutas telefónicas em processo penal é governada pelo princípio da proporcionalidade, não só pela especial gravidade dos casos em que é admitida (os chamados «crimes de catálogo»), como também pela exigência de um juízo da necessidade e de grande interesse para a descoberta da verdade, o que não pode deixar de se repercutir sobre o regime procedimental que lhe é aplicável. São essas exigências que explicam que a competência para ordenar e controlar a execução

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