TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

520 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronun- ciar sobre a sua relevância». O juízo assentou nas seguintes razões. Em primeiro lugar, entendeu-se que a norma introduzia uma inaceitável e desnecessária compressão das garantias de defesa do arguido, particularmente quando contrastadas com a posição da acusação. Tendo o arguido já sofrido uma intervenção restritiva nos seus direitos fundamentais ao ser objeto de escutas tele- fónicas, acaba por ver eliminados os registos dessas comunicações, sem poder tomar conhecimento do seu conteúdo e sobre eles se pronunciar, ao passo que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público têm acesso ao conteúdo integral e completo das comunicações e podem − devem mesmo − selecionar e indicar as partes que consideram relevantes (artigo 188.º, n.º 1, in fine , na redação anterior), tendo uma intervenção substancial anterior à apreciação do juiz de instrução e podendo influenciar a sua decisão sobre a relevância dos elementos coligidos. Em segundo lugar, entendeu-se não ser possível contrapor, como justificação para a destruição dos regis- tos tidos como irrelevantes, a ideia de que essa operação visa a proteção de direitos fundamentais do próprio arguido ou de terceiros, por se tratar de dados que, resultando da interceção de comunicações, consubstan- ciam uma devassa da intimidade da vida privada. Quanto a este aspeto, fez-se notar no citado aresto que a destruição dos registos, com fundamento no disposto no artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, tinha por base exclusivamente a apreciação da relevância probatória das conversações para efeito de prova e não a ilegalidade das escutas ou a proteção dos direitos de terceiros ou do arguido. Dessa forma, a invocação da proteção de terceiros só poderia colocar-se num plano abstrato, o de que todas e quaisquer escutas põem em causa a sua privacidade. Mesmo a circunstância de a decisão sobre o que transcrever e o que destruir ser da exclusiva competência do juiz – normalmente o de instrução criminal –, ou seja, de um magistrado independente, não comprome- tido com a investigação e cuja intervenção nessa fase processual está especialmente vocacionada para a sal- vaguarda dos direitos e garantias fundamentais do arguido e de terceiros, não se revelava suficiente, segundo então se entendeu, para sustentar a proporcionalidade da norma. Neste sentido, afirmou-se que o interesse do arguido de poder aceder à totalidade dos registos efetuados prende-se, não apenas com a possibilidade de contextualizar os elementos transcritos, mas igualmente com a de requerer a transcrição de outros com relevo autónomo, que pretenda usar em sua defesa nas fases subsequentes do processo – ainda quando o juiz os não tenha tido por relevantes para a prova. Na verdade – salientou o aresto − é ao arguido que compete organizar a sua defesa, contraditando os elementos invocados pela acusação e utilizando-os para se defender; o que implica ser-lhe deixada a possibilidade de ser ele a ajuizar, com base no conteúdo das conversações em causa, da relevância destas para a sua defesa (por exemplo, porque entende que dela resulta um atenuação da sua culpa ou até uma causa de justificação), sem que esse juízo possa ser inviabilizado pela destruição dos suportes magnéticos com base numa apreciação alheia (ainda que de uma autoridade judiciária indepen- dente como o juiz de instrução). Além disso, a própria possibilidade de um controlo judicial da decisão de destruir os registos das conversações, ou, inclusivamente, da própria realização das escutas (em relação ao material destruído), fica inviabilizada ou severamente limitada pela destruição precoce de parte das interce- ções telefónicas efetuadas. 8.2. Este juízo viria a ser reiterado – igualmente pela maioria mínima – nos Acórdãos n. os 450/07 e 451/07. Para além de se subscrever a fundamentação do Acórdão n.º 660/06, desenvolveram-se no Acórdão n.º 450/07 algumas linhas de argumentação complementares para concluir pela inconstitucionalidade da norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 320- C/2000, de 15 de dezembro. Por um lado, considerou-se que o exercício do direito de o arguido examinar o auto de transcrição para se inteirar da conformidade entre o que havia sido transcrito e o que havia sido gravado, tal como previsto no então n.º 5 do artigo 188.º, tinha como condição necessária a possibilidade de acesso à integralidade das

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