TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
519 acórdão n.º 147/21 Em sentido contrário, entende o Ministério Público, seguindo o decidido no Acórdão n.º 70/08 e nos subsequentes arestos tirados no mesmo sentido, que a destruição dos suportes técnicos e relatórios relativos a escutas telefónicas entre pessoas não arguidas ou suspeitas e, por isso, manifestamente estranhas ao processo, tem por base a proteção do sigilo das telecomunicações prevista no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, bem como a proteção da reserva da intimidade da vida privada de terceiros (artigo 26.º da Constituição), em relação aos quais a lei não admite a interceção e gravação de conversações. Entende que a sua preservação, com vista a que o arguido delas viesse a tomar conhecimento e eventualmente a usá-las como meio de prova, comportaria uma desnecessária e inaceitável compressão destes direitos fundamentais. Mais argumenta que o princípio do contraditório, previsto no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, parte integrante das garan- tias constitucionais de defesa do arguido, deve ser perspetivado no quadro de uma estrutura acusatória do processo penal, cingindo-se às provas em que se funde a acusação. Por outras palavras, só relativamente aos meios de prova apresentados contra o arguido para sustentar a sua condenação – e não a quaisquer outras que tenham sido consideradas irrelevantes e destruídas ou abandonadas pela acusação –, tem este um inte- resse legítimo em exercer o contraditório. E é o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investigação, que permite dar cumprimento ao princípio da igualdade de armas. 7. Antes das modificações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, o critério legal que rele- vava para a destruição dos suportes das interceções telefónicas efetuadas durante a investigação era substan- cialmente diferente daquele que hoje vigora. Com efeito, de acordo com o n.º 3 do artigo 188.º, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro, uma vez apresentados ao juiz os suportes com as gravações e elementos análogos intercetados, com vista à sua validação, este, «[s]e considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao pro- cesso; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento». Posteriormente, quando o arguido viesse a estar constituído nessa qualidade processual e tivesse acesso aos autos, poderia apenas, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, examinar o auto de transcrição das conversações consideradas relevantes para a prova pelo juiz, para se inteirar da conformidade das transcrições efetuadas e obter, à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos (para uma leitura mais ampla desta faculdade, vide o que se escreveu no Acór- dão n.º 426/05). Como é bom de ver, na redação anterior da lei o critério para determinar a destruição dos suportes das interceções telefónicas era simétrico do critério justificativo da transcrição: só aquelas tidas por «relevantes para a prova» eram conservadas e transcritas, sendo todas as demais imediatamente destruídas. Ao arguido – e demais sujeitos processuais afetados – cabia somente a possibilidade de ulteriormente sindicar a fidelidade das transcrições efetuadas. 8. Há abundante jurisprudência constitucional nesta matéria. 8.1. O Acórdão n.º 660/06 terá constituído a primeira vez em que o Tribunal Constitucional se pronun- ciou, de forma direta, sobre esta específica questão atinente ao regime das escutas telefónicas. Como aí se dá nota, no precedente Acórdão n.º 4/06 o Tribunal havia apreciado a questão simétrica, qual seja, a de saber se existia uma imposição constitucional de se proceder à imediata destruição da gravação das interceções consideradas sem interesse, tendo a resposta dada sido no sentido da não inconstitucionalidade. Mas sobre a questão de saber se era constitucionalmente permitido que o juiz ordenasse a destruição dos registos com base apenas na sua apreciação sobre a respetiva relevância para a prova, e sem possibilidade de intervenção pelo arguido, o Tribunal, numa decisão tomada pela maioria mínima, veio a responder negativamente, jul- gando inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro, na «interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante interceção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados
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