TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
516 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4.3. A previsão do n.º 6 do artigo 188.º do Código Penal tem subjacentes os princípios constitucionais da proteção ao direito ao sigilo das telecomunicações, consagrado no n.º 4 do artigo 34.º da CRP e da reserva de intimidade da vida privada, previsto no n.º 1 do artigo 26.º da CRP. 4.4. Assim, a destruição de suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, ao abrigo da alínea a) do artigo 188.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, tem por base a proteção do direito ao sigilo das tele- comunicações, prevista no n.º 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa e a proteção da reserva de intimidade da vida privada de terceiros, em relação aos quais a lei de processo criminal não autoriza a interceção e a gravação de conversações, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º da CRP. 4.5. Pelo que, defender a destruição destes suportes técnicos e relatórios apenas depois do arguido deles ter conhecimento e de poder pronunciar-se sobre a sua relevância, comportaria uma desnecessária e inaceitável com- pressão daqueles direitos constitucionalmente consagrados. 4.6. Tanto mais grave quanto se reporta a terceiros estranhos ao processo como acontece no caso ora em apreço. 4.7. Segundo a disposição constitucional do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, 4.8. Este princípio engloba, como esclarecem Gomes Canotilho/Vital Moreira, (a) o dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma deci- são; (b) o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efetiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, o direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo ; (d) a proibição de ser condenado por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter podido con- traditar os respetivos fundamentos”. 4.9. Constituindo-se o princípio do contraditório como uma das componentes específicas das garantias de defesa. 4.10. No entanto é necessário configurar o princípio do contraditório à luz da estrutura acusatória do processo penal enquanto princípio estruturante do processo penal constitucionalmente consagrado. 4.11. Como decorre do disposto no n.º 5 do artigo 32.º da CRP o princípio do contraditório traduz-se na estruturação da «audiência de julgamento e dos atos instrutórios que a lei determinar» em termos de assegurar um debate entre a acusação e a defesa. 4.12. As garantias de defesa, reconhecidas no texto constitucional traduzem-se, pois, na previsão de um pro- cesso criminal com estrutura acusatória em que apenas a audiência de julgamento e certos atos instrutórios espe- cialmente previstos na lei estão subordinados ao princípio do contraditório. 4.13. Esse direito de contraditório existe em relação às provas em que se funda a acusação que serão ponde- radas pelo juiz de instrução, para efeito de emitir o despacho de pronúncia, e levadas a julgamento, para efeito a condenação do réu. 4.14. Pelo que só em relação a essas provas – e não a quaisquer outras que tenham sido consideradas irrelevantes e destruídas ou abandonadas pela acusação – terá o arguido interesse em pronunciar-se, contraditando-as. 4.15. É o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investigação, que permite dar cumpri- mento ao principio da igualdade de armas, equilibrando a posição jurídica da defesa em relação à acusação. 4.16. É essa também a essência do processo equitativo ou do due process of law , que pressupõe como um dos aspetos fundamentais (para além da independência e imparcialidade do juiz e a lealdade do procedimento) a consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas as possibilidades de contrariar a acusação. 4.17. Assim, por tudo o exposto deve considerar-se como constitucionalmente conforme a norma da alínea a) do n.º 6 do artigo 188.º do Código do Processo Penal, quando interpretada no sentido de que o juiz de ins- trução determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, que digam respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do mesmo Código, sem que antes o arguido deles tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre a sua relevância.»
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