TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
514 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tendencial preservação da integralidade dos suportes das conversações e comunicações, responsabilizan- do-se os sujeitos processuais pelas valências probatórias que deles pretendam extrair, continua a prever-se um conjunto de casos em que o juiz deverá ordenar a destruição imediata e definitiva dos suportes dessas interceções efetuadas, o que sucederá apenas, conforme se estabelece no n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, quando se esteja perante «suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo», situações tipificadas nas diversas alíneas desse número. IV – Relevante para a apreciação da norma objeto do presente recurso é a situação prevista na alínea a) , nos termos da qual o juiz deverá determinar a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios que disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal; não se podendo ordenar a interceção e gravação de conversas e comunicações contra determinada pessoa, também não se podem preservar quaisquer conversas e comunicações dessa pessoa que venham a ser inadvertidamente intercetadas, o que equivale a dizer que o critério determinativo da destruição das interceções deixou de estar indexado à sua relevância probatória para ser um critério de pura legalidade das escutas: serão destruídas de imediato aquelas escutas que não poderiam ser autorizadas, por visarem pessoas que não se enquadram nas categorias previstas na lei. V – Mesmo que se pretendesse restaurar a linha jurisprudencial relativa ao regime da destruição das escu- tas telefónicas e respetivos suportes técnicos, anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, conferindo-se uma inequívoca preponderância às garantias de defesa do arguido em detrimento de considerações que relevam da esfera da privacidade de terceiros, as razões em que se funda não se estenderiam ao objeto do presente recurso, pois as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, vieram precisamente ao encontro das insuficiências apontadas nesses arestos, e que conduziram aos juízos de inconstitucionalidade; o que está em causa na norma em apreciação são elementos manifestamente estranhos ao objeto do processo, visto que se reportam a conversações e comunicações entre pessoas que, em caso algum, poderiam ter sido alvo de interceções. VI – As escutas telefónicas constituem uma forma particularmente intrusiva de obtenção de prova, que se caracteriza por uma forte vocação lesiva, a qual se traduz, desde logo, na circunstância de não ser tecnicamente possível limitar a escuta e a gravação aos elementos com relevo direto para o processo para que são ordenados; pela própria natureza das coisas, as escutas telefónicas podem atingir, para além dos sujeitos referidos nas alíneas do n.º 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, pessoas estranhas ao processo; as conversações e comunicações entre pessoas manifestamente estranhas ao processo e sem qualquer conexão com a investigação criminal em curso, não se mostram suscetíveis de poder vir a constituir prova admissível para sustentar ou contraditar a acusação, e se são irrelevantes para as finalidades preventivas e probatórias próprias do processo penal, não podendo ser utilizadas, serão pela mesma ordem de razão irrelevantes para o exercício do contraditório e demais garantias constitucionais de defesa do arguido. VII – Deixando de existir, nestes casos, qualquer possibilidade de colisão de direitos, a solução consagrada na norma em discussão impõe-se por via da tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada, bem como da proteção do sigilo das telecomunicações, dado que a preservação das gravações, ainda que sob a custódia do tribunal, comporta um risco maior ou menor, mas seguramente ineliminável, de acesso e divulgação indevidos, restando concluir que a norma em apreço no presente recurso não é inconstitucional.
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