TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

510 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 13. Resta verificar se, estando em causa a condenação de motorista profissional pela prática do crime de desobediência previsto nos artigos 152.º, n. os 1, alínea a) , e 3, do Código da Estrada, e 348.º, n.º 1, alínea a) , do Código Penal, a pena acessória de proibição do exercício da condução de veículos motorizados deveria ser graduável, não apenas quanto à duração do período da inibição, mas também quanto ao seu âmbito objetivo de incidência, de forma a permitir a exclusão, direta ou indireta, de categorias determinadas de veículos e, com isso, da categoria habitualmente conduzida pelo condenado no âmbito do exercício daquela sua profis- são. Mais rigorosamente, está em causa saber se, sendo a medida da pena graduável, mas não o seu conteúdo específico, se verifica, designadamente em face da tutela constitucional concedida à liberdade do exercício da profissão e ao direito ao trabalho, uma violação do princípio da proporcionalidade, na dimensão que veda ao legislador penal o estabelecimento de sanções manifestamente excessivas. Integrado no catálogo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o n.º 1 do artigo 47.º da Constitui- ção estabelece que «todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade». Densificando o conteúdo da liberdade de escolha de profissão ou do género de trabalho, tanto a dou- trina como a jurisprudência constitucional têm entendido que nela se compreende não apenas a liberdade que a cada um assiste de selecionar a profissão pretendida, como ainda a liberdade de exercer a profissão sele- cionada, sem outros constrangimentos para além daqueles que decorrem da Constituição (cfr., neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos n. os 94/15 e 246/16). É sabido que, a par da integração da liberdade de escolha e de exercício de profissão ou género de tra- balho no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a Constituição acolhe ainda, mas agora no catálogo dos direitos e deveres económicos, o direito fundamental ao trabalho, cuja violação é igualmente invocada pela recorrente. O trabalho releva, assim, quer enquanto liberdade de escolha e de exercício de uma atividade profissio- nal, em conformidade com o disposto no artigo 47.º [da Constituição], quer como direito social, previsto no artigo 58.º. Simplesmente, enquanto o direito a escolher e exercer determinada atividade laboral se afirma, em primeira linha, na sua dimensão defensiva - originando a correlativa vinculação das entidades públicas a uma proibição de não ingerência -, o direito ao trabalho apresenta-se essencialmente como um direito a ações positivas, isto é, um direito que «vale antes como uma imposição aos poderes públicos (...) no sentido da cria- ção das condições, normativas e fáticas, que permitam que todos tenham efetivamente direito ao trabalho» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 1139). Assim vistas as coisas, percebe-se bem que seja à luz do parâmetro extraível do n.º 1 do artigo 47.º que mais sentido faz problematizar a conformidade à Constituição da norma que, em caso de condenação pela recusa de submissão às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas, não permite que o âmbito objetivo da pena de proibição de condução de veículos motorizados acessoriamente aplicável possa ser restringido a determinada categoria de veículos ou apartado de outra, de forma a «excluir dessa proibição a condução da categoria de veículos utilizada pelo arguido no exercício da sua atividade profissional de motorista». Com efeito, o que nessa norma vai implicado só pode ser uma afetação temporária da liberdade de exercício de determinada atividade profissional – no caso, da atividade profissional de motorista -, e não, mais amplamente, o incumprimento pelo Estado do mandato de criação das condições necessárias para que cada um possa prover às necessidades de uma vida digna, a que o vincula o artigo 58.º da Constituição. 14. A atribuição à pena acessória de proibição de condução de um conteúdo fixo – proibição de condu- ção de veículos com motor de qualquer categoria – constitui uma faculdade ao alcance do legislador ordiná- rio. No âmbito da reação à chamada criminalidade rodoviária, o legislador encontra-se constitucionalmente habilitado a optar por uma solução que, tendo em vista assegurar uma maior eficácia político-criminal à pena acessória aplicável, integre no âmbito da proibição o exercício da faculdade de condução de veículos motorizados de qualquer categoria, excluindo a possibilidade de tal proibição ser positiva ou negativamente

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