TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
509 acórdão n.º 145/21 censura constitucional apenas se justificará «quando a gravidade do sancionamento se mostre inequívoca, patente ou manifestamente excessiva» (Acórdãos n. os 13/95 e 99/02). Sempre que não nos depararmos com uma situação de arbitrariedade ou excesso – ou, mais rigorosamente ainda, quando não seja manifesto que tal aconteça -, nem a pena, principal ou acessória, abstratamente cominada, nem os critérios que integram o regime previsto para a sua determinação em concreto, poderão ser censurados sub specie constitutionis . Considerados os limites a que neste particular âmbito se encontra sujeito qualquer juízo positivo de inconstitucionalidade, o que importa verificar é se a interpretação do artigo 69.º, n.º 2, [do Código Penal] sufragada pelo tribunal recorrido confere à pena acessória prevista no referido preceito legal um alcance manifestamente desnecessário ou excessivo, tendo em conta, quer a gravidade do ilícito típico, quer a afeta- ção que dela poderá resultar para a liberdade de exercício de profissão consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, e/ou para o direito ao trabalho, acolhido no n.º 1 do respetivo artigo 58.º – tanto num caso como no outro, em termos convergentes com aqueles que constam do artigo 15.º, n.º 1, da Carta dos Direi- tos Fundamentais da União Europeia. 12. Na solução normativa ora apreciada, o crime subjacente à condenação na pena acessória de proibi- ção da condução de veículos com motor é integrado – vimo-lo já – pela recusa do condutor em submeter-se às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo. A pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados faz parte integrante das consequên- cias jurídicas estabelecidas para essa particular modalidade do crime de desobediência e, sendo imposta em simultâneo com a pena principal – cuja aplicação formalmente pressupõe -, tem por finalidade a diversifi- cação e o fortalecimento do conteúdo da reação do ordenamento jurídico face àquele facto ilícito e culposo, tendo em vista o reforço da reafirmação contrafáctica das expectativas comunitárias na manutenção da vali- dade e vigência da norma jurídica violada e, em especial, o incremento do contraestímulo à reiteração do comportamento sancionado que, em última instância, o exercício do ius puniendi pretende constituir para o agente. Do ponto de vista político-criminal, a opção do legislador é de fácil compreensão. Em causa está o sancionamento de uma atuação que não só inviabiliza o controlo das condições em que a atividade de condução é concretamente exercida, como frustra a possibilidade de deteção e de neutralização em tempo real de situações de potencial perigo para a vida e integridade física de um amplo conjunto de terceiros, no qual se incluem todos os demais utilizadores da via pública. É por isso que, ao contrário do que sustenta o recorrente, a circunstância de a recusa ser punida, de acordo com a técnica seguida, a título de desobediência [artigo 348.º, n.º 1, alínea a) , do Código Penal] em nada compromete ou enfraquece a conexão entre o ilí- cito praticado e proibição temporária de condução de veículos motorizados, sobretudo ao ponto de conferir sentido, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, a uma modelação diferenciada da pena acessória que lhe corresponde. Pelo contrário: caso esta pudesse ser aplicada com um âmbito mais restrito do que aquele com que vale para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto no artigo 292.º do Código Penal, a recusa do condutor em submeter-se às provas legalmente estabelecidas para deteção da presença de tais substâncias poderia não só revelar-se amplamente compensadora como ser desse modo indiretamente estimulada. É também por isso que, do ponto de vista da defesa dos direitos constitucionalmente protegidos que o com- portamento proibido é suscetível de fazer perigar – os direitos à vida e à integridade física, respetivamente consagrados nos artigos 24.º e 25.º da Constituição –, tanto a necessidade da pena acessória, na exata mode- lação com que é aplicável aos demais crimes que integram o catálogo constante do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, como a relação de proporcionalidade que liga o seu conteúdo aflitivo à gravidade da infração cometida, não podem ser no presente caso seriamente questionadas.
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