TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

508 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL condução ou dela excluindo veículos de determinada categoria, pelo menos nas hipóteses em que, como na presente sucede, o condenado é motorista de profissão. Do ponto de vista da proibição do efeito automático das penas, tal elemento não assume, porém, a relevância que lhe atribui o recorrente. A circunstância de a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor ser sempre apli- cável com a abrangência correspondente à suspensão temporária do exercício da faculdade de condução de veículos motorizados de qualquer categoria, mesmo no caso de o condenado ser motorista profissional, não altera o resultado da sua confrontação com a proibição contida no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição. Também neste caso, a aplicação da inibição de conduzir fundamentar-se-á, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa prevista a título principal, na prova da prática do facto típico, ilícito e doloso, sendo gra- duada dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos na lei de acordo com o modelo de determinação da medida concreta da pena acolhido no artigo 71.º do Código Penal. O âmbito objetivo da proibição de condução de veículos motorizados diz respeito à modelação daquela particular espécie de pena acessória – isto é, aos seus elementos constitutivos -, sendo insuscetível, por isso, de tornar mais (ou menos) automático, em face do comando inserto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, o efeito inibidor que da sua aplicação resulta para o condenado. Também neste caso, a privação temporária da faculdade de conduzir não se produz ope legis , por mero efeito da condenação pela prática do crime de deso- bediência previsto pelos artigos 152.º, n. os 1, alínea a) , e 3, do Código da Estrada, e 348.º, n.º 1, alínea a) , do Código Penal, constituindo antes o resultado inerente à aplicação de uma pena com determinado conteúdo, cuja medida é graduada de acordo com os pressupostos e fins típicos das sanções criminais. 11. Para o recorrente, a interpretação do artigo 69.º, n.º 2, do Código Penal, no sentido de que, «em caso de condenação pela prática do crime de desobediência a que alude a alínea c) do respetivo n.º 1, não é permitido restringir a proibição de condução a uma determinada categoria de veículos motorizados, ou excluir dessa proibição a condução da categoria de veículos utilizada pelo arguido no exercício da sua ativi- dade profissional de motorista», será em qualquer caso incompatível com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das sanções criminais, tanto do ponto de vista da relação entre pena acessória aplicável e a infração que lhe corresponde como no plano relativo ao nível de afetação a que é sujeito o direito funda- mental atingido pela primeira. No específico domínio das sanções criminais, o Tribunal vem desde há muito reconhecendo que «a Constituição acolhe o princípio “da necessidade (para defesa dos direitos ou interesses constitucionalmente protegidos) ou da máxima restrição (compatível com aquela defesa) das penas e das medidas de segurança (artigo 18.º, n. os 2 e 3)”, sendo certo que “por serem as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacri- fícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não seja certa a sua necessidade” (Acórdão n.º 59/85, in Acórdãos do Tribunal Constitucional , 30.º Vol., pp. 96 e 97)» (cfr. Acórdão n.º 99/02). Ou, por outras palavras, que «as sanções penais só se justificam quando forem necessárias, isto é, indispensáveis, tanto na sua existência, como na sua medida, à conservação e à paz da sociedade civil» (José de Sousa e Brito – A lei penal na Constituição, Estudos sobre a Constituição, volume 2.º, Lisboa, 1978, p. 218). Todavia, conforme reconhecido também na jurisprudência constitucional, o Tribunal apenas se encon- tra habilitado a censurar à luz do princípio da proporcionalidade das penas as soluções legislativas que con- tenham sanções manifesta e claramente excessivas. Assim o é «“porque, se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação” (Acórdãos n. os 574/95, 958/96, 329/97 e 108/99)» (cfr. Maria João Antunes, “Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito da Execução das Sanções Privativas da Liberdade e Jurisprudência Constitucional”, in Revista Julgar, n.º 21, 2013, Coimbra Editora, p. 97). No âmbito da tipificação das consequências jurídicas do crime e do estabelecimento dos respetivos pres- supostos, o legislador goza, pois, de «uma ampla margem de liberdade de conformação», pelo que o juízo de

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