TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

506 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Penal, de arguido que habitualmente conduza determinada categoria de veículos no exercício da sua ativi- dade profissional de motorista, converte a pena acessória numa medida «desnecessári[a] e desproporcional», e por isso violadora do «disposto nos artigos 2.º; 18.º, 2 e 58.º, 1 da CRP, bem como o artigo 15.º, n.º 1 e 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia». 9. Dispõe o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, que «[n]enhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos». Introduzido na revisão constitucional de 1982, tal preceito tem como principal finalidade retirar às penas quaisquer efeitos estigmatizantes, evitando que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos decorra direta e automaticamente da lei aquando da aplicação de uma pena, isto é, seja configurada pelo legislador infraconstitucional como um efeito ope legis , aquando da aplicação de uma dada pena, em detri- mento de uma decisão que pondere as circunstâncias concretas de cada caso e que, desse modo, se observe o princípio da culpa e da proporcionalidade na produção desse efeito sancionatório (cfr. Acórdão n.º 376/18). Como se salienta na doutrina, o sentido do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, em conformidade com a respetiva justificação, é o de «“negar ao legislador ordinário a possibilidade de criar um sistema de punição complexa (...), no seio do qual a lei pode fazer corresponder automaticamente à prática de determinado crime (ou à condenação em certa pena) outras sanções penais para além da pena principal; ao invés, fixou-se o princípio de que a aplicação de qualquer sanção penal requer a mediação do juiz”, mesmo que a lei preveja várias sanções para a prática de um só crime ( idem , pp. 565-6)» (Acórdão n.º 203/00). Quer isto significar que a proibição constitucional contida no n.º 4 do artigo 30.º não veda ao legislador a possibilidade de, ao definir a tipologia das sanções abstratamente aplicáveis a determinado tipo legal de crime, estabelecer penas principais e penas acessórias, desde que subordinadas, estas como aquelas, à media- ção judicativa do tribunal, a exercer dentro dos limites consentidos pelo princípio da culpa e de acordo com as exigências, gerais e especiais, da prevenção. Assim entendeu o Tribunal Constitucional, logo no Acórdão n.º 291/95, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de abril, diploma que, até à revisão do Código Penal pelo Decreto-Lei n.º 48/95, tipificava o crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Confrontando a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir ali então prevista para este tipo de crime, com a proibição estabelecida no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, escreveu-se no referido aresto o seguinte: «[S]ó à perda de direitos como efeito automático da pena que o n.º 4 do artigo 30.º da CR se refere ao dispor que “nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. Na verdade, não é constitucionalmente proibido que à condenação por certos crimes se sigam, necessaria- mente, certas consequências. O que se veda é que uma certa condenação penal produza automaticamente, por mero efeito da lei, a perda de qualquer um daqueles direitos; já não, como se observa no Acórdão n.º 143/95, que a sentença condenatória possa decretar essa perda de direitos em função de uma graduação da culpa, feita casuis- ticamente pelo juiz. […] A este propósito perfilha-se o observado pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto, a dado passo das suas alegações: “O que, na realidade, a decisão recorrida parece pretender extrair do disposto no n.º 4 do artigo 30.º [...] é algo que já nada tem a ver com a problemática da “automaticidade” dos efeitos da aplicação de certas penas ou da condenação por certos crimes – e que, em última análise, se traduziria na “discricionariedade judicial” na própria aplicação (ou não aplicação) de determinadas sanções acessórias – como efetivamente ocorrerá, por exemplo, com o invocado artigo 218.º do Código Penal – consoante a valoração das circunstâncias do caso”.

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