TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
500 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XII – Em termos abstratos, numa situação como a dos presentes autos, em que o recorrente é condenado pela prática de um crime de desobediência simples, no âmbito da sua vida privada, aplicar uma sanção acessória de inibição de condução, sem que o Tribunal recorrido possa ponderar a restrição dessa proibição a uma determinada categoria de veículos, ou excluir dessa proibição a condução da categoria de veículos utilizada no exercício da sua atividade profissional de motorista, afigura-se desnecessário e desproporcional, o que viola o disposto nos artigos 2.º; 18.º, 2 e 58.º, 1 da CRP, bem como o artigo 15.º, n.º 1 e 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. XIII – Na interpretação normativa do artigo 69.º, 2 do Código Penal aqui sindicada, o Tribunal recorrido não pro- cede a qualquer juízo de valor sobre a sua necessidade no contexto do caso concreto, pois segundo o douto Acórdão da Relação do Porto, a norma penal não permite qualquer tipo de restrição quanto à proibição de condução a uma determinada categoria de veículos motorizados, ou excluir dessa proibição a condução da categoria de veículos utilizada pelo arguido no exercício da sua atividade profissional de motorista é afron- tosa do princípio da proporcionalidade, que encontra afloramento no artigo 18.º, 2 da CRP e sempre há-se reputar-se como componente essencial do princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP). XIV – Também é afrontosa do artigo 30.º, 4 da CRP, pois tal interpretação do artigo 69.º, 2 do Código Penal implica que a privação do direito ao trabalho, bem como a uma existência condigna decorram como simples consequência necessária – por via direta da lei ou da interpretação da mesma decorrente do Acórdão recorrido – da condenação por infrações previstas no n.º 1 do mesmo normativo, in casu , a alínea c) do n.º 1 do artigo 69.º do mesmo diploma legal.» 5. Pugnando pela improcedência do recurso, o Ministério Público concluiu as suas contra-alegações nos termos que se seguem: «32.º Nos presentes autos, foi o ora recorrente, A., condenado pela prática de 1 crime de desobediência previsto e punido pelos arts. 69.º, n.º 1, al. c) e 348.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena principal de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6, no total de € 480 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, pelo período de 4 meses. 33.º O motivo para a imputação da prática de um crime de desobediência, deveu-se ao facto de, instado por mili- tares da Guarda Republicana para se submeter a exame de pesquisa de álcool no sangue, o arguido, embora visi- velmente embriagado, e em estado de grande descontrolo emocional e exaltação, se ter recusado sistematicamente a fazê-lo, pretextando, por outro lado, não ser ele, mas o respetivo cônjuge, que ia a conduzir o veículo em que se fez transportar. 34.º Por sentença de 27 de junho de 2019, da digna magistrada judicial do Juízo Local Criminal de Valongo – Juiz 2, deu-se, no entanto, como provado que era o arguido que ia a conduzir, pelo que lhe incumbia o dever de se submeter ao teste de pesquisa de álcool no sangue. 35.º Inconformado, o arguido interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto, que, porém, por Acórdão de 8 de janeiro de 2020, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida. 36.º O referido tribunal superior apreciou, desde logo, a questão da admissibilidade de a proibição de condução poder ser restrita a determinada categoria de veículos, tendo concluído que a lei o não permitia, dada a redação
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