TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
499 acórdão n.º 145/21 II – Na interpretação normativa do preceito contido no n.º 2 do artigo 69.º do Código Penal, nos termos efe- tuados no douto Acórdão recorrido, ao deliberar não ser permitido que a restrição de condução de veículos motorizados possa ser restrita a uma determinada categoria de veículos, pelo facto de a Lei n.º 7/2000, de 27.07 ter suprimido a parte final “ou de uma categoria determinada”, bem como da interpretação conjugada dos artigos 121.º do Código da Estrada e artigo 500.º do Código de Processo Penal, para sustentar a sua posição de impossibilidade de restrição da proibição de condução a veículos com motor de qualquer categoria é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 30.º, 4 da CRP. III – A norma do artigo 69.º, 2 do Código Penal, na sua literalidade, não se nos afigura inconstitucional, porém, a entender-se o contrário, requer-se que recaia sobre a mesma um juízo positivo de inconstitucionalidade, para que as instâncias repristinem a norma anteriormente vigente, mais concretamente a Lei n.º 7/2000, de 27.07, na sua anterior redação. IV – É entendimento do recorrente que da norma contida no artigo 69.º, 2 do Código Penal, resulta que foi von- tade do legislador permitir ao julgador, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, que a proibição abranja todos os veículos a motor, ou excluir dessa proibição alguma categoria de veículos, pois senão o legis- lador teria dito, pura e simplesmente, que abrange todos os veículos, e retirava a terceira pessoa do singular do presente indicativo do verbo poder do teor da norma. V – A interpretar-se a norma do artigo 69.º, 2 do Código Penal no sentido fixado no douto Acórdão recorrido, tal significa que ao Tribunal está vedado fazer uma ponderação casuística da factualidade concreta, para assim decidir se, in casu , é de restringir a proibição de condução a uma determinada categoria de veículos motoriza- dos, ou excluir dessa proibição a condução da categoria de veículos utilizada pelo arguido no exercício da sua atividade profissional de motorista, o que colide com o disposto no artigo 30.º, 4 da CRP, pois tal proibição decorre diretamente da lei, ou, a nosso ver, da interpretação normativa efetuada pelo Tribunal recorrido. VI – A pena acessória que impede o arguido de conduzir veículos pesados de mercadorias, no exercício da sua atividade profissional de motorista, tem como consequência a perda do direito profissional, como motorista assalariado, atividade que constitui a base do sustento próprio e do seu agregado familiar, direito que é cons- titucionalmente garantido (artigos 30.º, 4; 36.º, 5 e 58.º, 1 da CRP). VII – OTribunal Constitucional tem-se pronunciado pela inconstitucionalidade das normas que impõem a perda de direitos civis, profissionais e políticos como efeito necessário e automático da condenação por certos ilícitos (a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos números 156/86, 165/86, 187/86, 255/87, 284/89 e 224/90), todos disponíveis na base de dados. VIII – Como a perda de direitos civis, profissionais e políticos traduz-se materialmente numa verdadeira pena, que não pode deixar de estar sujeita, na sua aplicação, às regras próprias do Estado de direito democrático, tais como: reserva judicial, princípio da culpa, princípio da necessidade e proporcionalidade das penas. IX – A interpretação normativa do artigo 69.º, 2 do Código Penal, que integra o objeto do recurso definido a fls. 280 dos autos, para além de violar o preceito constitucional ínsito no artigo 30.º, 4 da Lei Fundamental, também não cumpre outros normativos e princípios constitucionais decorrentes do texto constitucional, designadamente os princípios da necessidade e da proporcionalidade, por decorrência dos artigos 2.º e 18.º, 2 da CRP. X – Não se vislumbra a correspondência entre a violação do bem jurídico autonomia intencional do funcionário, decorrente de prática de um crime de desobediência, fora do âmbito profissional, e a proibição de conduzir veículos como motor, maxime quando se tratam de automóveis pesados de mercadorias, e o recorrente exerce a profissão de motorista assalariado, necessitando impreterivelmente de poder conduzir veículos pesados de passageiros, para não ver cessado o seu contrato de trabalho, não pondo em causa a seu direito a uma existên- cia condigna, nem o seu direito a exercer labor de motorista profissional. XI – A admitir-se que possa haver constrição do direito de conduzir, decorrente da prática do crime de desobediên- cia, porém, numa situação como a dos autos, em que o mesmo é motorista profissional, e necessita impre- terivelmente da manutenção da autorização de condução de veículos pesados de mercadorias, da qual aufere remuneração que constitui o único rendimento disponível do seu agregado familiar, é excessivo.
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