TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

491 acórdão n.º 121/21 probatórias e na proibição de recurso a prova ilegalmente obtida (por exemplo, com abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações); destaca-se, igualmente, neste plano, o direito à não autoincriminação, que se projeta no direito ao silêncio do arguido e o direito a não facultar meios de prova. Acerca do princípio nemo tenetur se ipsum acusare, disse oTribunal Constitucional no Acórdão n.º 298/19 que este «implica o reconhecimento do direito ao silêncio e do direito do arguido à não autoincriminação enquanto elementos de um processo penal de estrutura acusatória. O primeiro daqueles direitos traduz-se na faculdade reconhecida ao arguido de não se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados, diferentemente do que sucedia nos processos regidos pelo princípio do inquisitório em que as declarações obrigatórias do arguido, maxime a confissão forçada, tendem a convertê-lo em instrumento da sua própria condenação. O direito ao silêncio tem vindo a ser reconhecido pela legislação processual penal da maioria dos ordenamentos jurídicos dos Estados de direito modernos, encontrando tam- bém consagração expressa em instrumentos jurídicos internacionais (cfr. o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos). Já o segundo, entendido como direito a não contribuir para a própria incriminação, impede a transfor- mação do arguido em meio de prova por via de uma colaboração involuntária obtida com recurso a meios coercivos ou enganosos. Existe uma ligação íntima entre os dois direitos, desde logo porque, não sendo reconhecido ao arguido o direito a manter-se em silêncio, este seria obrigado a pronunciar-se e a revelar informações que poderiam contribuir para a sua condenação. Daí a correlação do nemo tenetur com a afirmação do arguido enquanto sujeito processual e, em particu- lar, com a sua liberdade de declaração, uma vez que é nesta última que se espelha o estatuto do arguido como autêntico sujeito processual, decidindo, por força da sua liberdade e responsabilidade, sobre se e como quer pronunciar-se sobre os factos que lhe são imputados (cfr. o Acórdão n.º 304/04)». 17.3. Face a tudo o que atrás se explicou, crê-se que os direitos e prerrogativas atribuídos ao arguido em processo penal contribuem para a formação de um equilíbrio razoável, numa matéria delicada. Ou seja, é verdade que a constituição de arguido implica, para a pessoa que a ela é sujeita, um conjunto de deveres processuais, passíveis de condicionar, ou comprometer, em certas circunstâncias, o exercício, em condições de liberdade plena, de direitos fundamentais. Entre esses deveres, contam-se a possibilidade de aplicação de medidas de coação, a efetivação de diligências probatórias, o dever de comparência perante o juiz, o Ministé- rio Público ou o órgão de polícia criminal sempre que a lei o exigir, e de responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade (vejam-se, respetivamente, os artigos 61.º, n.º 6, 141.º, n.º 3, e 342.º do CPP). Contudo, para aqueles deveres mais notoriamente lesivos de direitos fundamentais – como a aplica- ção de medida de coação ou garantia patrimonial, tomar conhecimento do conteúdo de correspondência apreendida, a realização de buscas domiciliárias ou a interceção de comunicações – a lei já prevê a inter- venção obrigatória de um juiz, nos termos dos artigos 268.º e 269.º do CPP. Ou seja, o próprio legislador, na ponderação abstrata de bens e direitos constitucionais conflituantes, entendeu estar aqui no domínio da reserva jurisdicional, impondo-se a prática ou autorização dos atos em causa pelo juiz, nos termos do artigo 202.º e 32.º, n.º 4, da CRP. Não o fez quanto ao ato de constituição de arguido, e não parece que a Constituição imponha o contrário. No plano abstrato, ser arguido é uma condição mais favorável que a de suspeito, não se entendendo essa alteração de status processual como lesiva dos direitos fundamentais da pessoa em causa. Assim, e tendo em consideração tudo o que até ao momento se explicou, afigura-se razoável e constitucionalmente aceitável que, em regra, o controlo pelo Juiz de Instrução Criminal da regularidade do ato de constituição de arguido – que não é, naturalmente, imune, a revisão jurisdicional – se faça, nos termos acima referidos, na fase de instrução e não durante o inquérito. Isto não invalida que possam existir, num caso concreto, questões de direitos fundamentais relacionadas com – mas não causadas pela – constituição de arguido que possam justificar, na linha da jurisprudência constitucio- nal já citada, apelo imediato para o Juiz de Instrução Criminal. Porém, cada uma destas situações só é

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