TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL curto prazo compatível com as garantias de defesa»; e a jurisprudência deste Tribunal tem reconhecido ao mesmo um alcance conforme à citada ideia-força (v., entre os mais recentes, os Acórdãos n. os 391/15, 62/16, 101/16, 674/16, 195/17, 173/18 e 74/19)». Ora, assim sendo, não pode afirmar-se, no plano da avaliação jurídico-constitucional que aqui se leva a cabo, que decorra para o arguido uma afetação, em termos restritivos, dos seus direitos fundamentais ao bom nome, reputação, livre desenvolvimento da personalidade, honra ou cidadania. Não ignora este Tribunal que essa afetação pode existir. Pode até ser grave, intensa e profundamente disruptiva da vida de um cidadão comum. Contudo, não se afigura que o condicionamento ou restrição de que se fala derive, em sentido próprio, da passagem do status processual de suspeito para o de arguido. Na verdade, a potencial restrição aos direitos fundamentais alegada pelos recorrentes no presente recurso pode derivar, fundamentalmente, e por um lado, da existência da suspeita de prática de crime. Todavia, essa suspeita não nasce do ato de constituição de arguido, nem sequer nele se fundamenta, sendo neces- sariamente pré-existente. Quando muito, ali se materializa, tornando-se conhecida da pessoa em relação a quem existe e, potencialmente, da comunidade em geral. Ou seja, não se suspeita de uma conduta imprópria de alguém porque essa pessoa é arguida em processo penal; pelo contrário, é-se arguido porque existe a suspeita. Por outro lado, a afetação dos direitos fundamentais mencionados, quase todos consagrados no artigo 26.º da CRP, pode dever-se também, em séria medida, ao que o recorrente B. apelida de trial by media , ou seja, das considerações e especulações, de natureza estigmatizante, que a partir da constituição de arguido podem ser feitas pela opinião pública, designadamente, nos meios de comunicação social. Ora, uma vez mais, e não se negando que este problema pode existir, sempre se dirá que não há uma relação de causa-efeito entre a constituição de arguido e a estigmatização, mas sim entre a notícia da suspeita, o seu tratamento noticioso, a formação e esclarecimento da opinião pública e as indevidas extrapolações que possam ser feitas. O problema não está, pois, no ato de constituição de arguido, nem na norma que o permite. À luz da Constituição e da lei, o arguido é, durante todo o processo, inocente, em todos os planos, até se proferir juízo em contrário, em sede de julgamento. 17.2.2. Em segundo lugar, não pode olvidar-se que a condição de arguido confere ao sujeito uma panóplia de direitos de defesa, nomeadamente, em cumprimento do princípio do contraditório: o direito a estar presente nos atos que lhe digam respeito, a ser ouvido pelo tribunal sempre que devam ser tomadas decisões que o afetem, a ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade, a constituir advogado ou a ser-lhe nomeado defensor, a intervir no inquérito e na instru- ção, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias e recorrer das decisões que lhe forem desfavoráveis (veja-se o disposto no artigo 61.º, n.º 1, do CPP). Além destes direitos, a lei prevê ainda que o arguido tem o direito de requerer abertura da instrução, como forma de controlar a decisão de acusação do Ministério Público [cfr. artigo 287.º, n.º 1, alínea a) , do CPP] e a opor-se à desistência da queixa ou da acusação particular, para, assim, poder ver a sua inocência declarada em julgamento (artigo 51.º do CPP). O que este conjunto de direitos demonstra é que o legislador se preocupou em conceber um sistema processual penal que, em consonância com o princípio do Estado de direito democrático, demonstre respeito pela pessoa do arguido e lhe permita defender-se, responder às acusações que lhe são feitas, intervir no pro- cesso, e até modelá-lo, em determinadas circunstâncias (designadamente, requerendo a abertura de instrução e forçando a prossecução para julgamento em caso de desistência de queixa não aceite). 17.2.3. Finalmente, assinale-se ainda que todo o processo penal se funda ainda num princípio de respeito pela vontade do arguido, com especial projeção na sua posição processual enquanto objeto de diligências
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