TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
49 acórdão n.º 123/21 CDE e da UDP nada diziam. O do PPD afirmava: «O Direito à vida e à integridade pessoal é inviolável». Foi o do PCP a propor a proclamação consagrada: “A vida humana é inviolável”». A individualização no n.º 2 do artigo 24.º da exclusão – pela afirmação “em caso algum haverá…” – da pena de morte, correspondendo embora a uma tradição de referenciação desta no texto constitucional, que remonta à Constituição de 1911 (que constitucionalizou a abolição operada em 1867), não deixa de ter o sentido de um reforço da afirmação contida no n.º 1, subtraindo-lhe, numa elevação de grau de proteção, o que na génese bíblica do mandamento não matarás, na sua evolução no pensamento judaico-cristão, foi construído, a par da guerra, como exceção ao imperativo moral de não matar (cfr. Nahum M. Sarna, The JPS Torah Commentary, Exodus, The Jewish Publication Society , Philadelphia, Jerusalem, 1991, p. 113; “The Christian Judge and the Taint of Blood: The Theology of Killing in War and Law”, James Q. Whitman, The Origins of Reasonable Doubt. Theological Roots of the Criminal Trial, Yale University Press, New Haven, Londres, 2008, pp. 28-49). E permanece a pena de morte – só permanece, todavia, para quem a aceite – com um sentido paradoxal face à afirmação da inviolabilidade da vida humana. Neste contexto, vale assinalar, na exegese do artigo 24.º (então o artigo 25.º), que uma maior proximi- dade ao legislador histórico (ao contexto histórico da construção dessa disposição) conduziu Gomes Cano- tilho e Vital Moreira, na 1.ª edição da sua Constituição Anotada , à afirmação de uma natureza absoluta do valor do direito à vida: «[o] valor do direito à vida e a natureza absoluta da proteção constitucional traduz-se no próprio facto de se impor mesmo perante a suspensão constitucional dos direitos fundamentais, em caso de estado de sítio ou de estado de emergência» ( ob. cit. , Coimbra, 1978, p. 92). Assim, acompanhando a questão no contexto evolutivo desta obra de referência – cuja análise permite interessante perspetivação dia- crónica do tratamento jurídico-constitucional da questão –, na respetiva 2.ª edição, já com a consideração do problema do suicídio, questionando quanto a este os Autores a referenciação ao próprio do dever de proteção da vida, encontra-se igualmente presente a afirmação da mesma ideia de uma proteção absoluta, associada a uma natureza qualificada do direito: «[a]o conferir-lhe uma proteção absoluta, não admitindo qualquer exceção, a Constituição erigiu o direito à vida em direito fundamental qualificado» ( ob. cit. , Coimbra, 1984, p. 190). Tal ideia é repetida, até de forma mais enfática, na 3.ª edição, aí já com a ponderação da questão da eutanásia: «[j]urídico-constitucionalmente não existe o direito à eutanásia ativa, concebido como o direito de exigir de um terceiro a provocação da morte para atenuar sofrimentos (“morte doce”), pois o respeito da vida alheia não pode isentar os “homicidas por piedade” » ( ob. cit. , Coimbra, 1993, pp. 174-175). É importante referenciar, a culminar o percurso empreendido pela obra em análise, a caracterização do direito à vida, num contexto mais próximo do presente, na 4.ª edição: «[n]ão se trata […] apenas de um prius lógico: o direito à vida é material e valorativamente o bem (localiza-se, logo, em termos ontológicos no ter e ser vida, e não apenas no plano ético-deontológico do valor ou no plano jurídico axiológico dos princípios) mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto. Precisamente por isso é que o direito à vida coloca problemas jurídicos de decisiva relevância nas comunidades humanas» ( ob. cit. , anot. I ao artigo 24.º, p. 447). Além disso, é reiterada a inexistência de um direito à eutanásia ativa: «Jurídico-constitucionalmente não existe o direito à eutanásia ativa, concebido como o direito de exigir de um terceiro a provocação da morte para atenuar sofrimentos (“morte doce”), pois o respeito da vida alheia não pode isentar os “homicidas por piedade” (cfr., porém, as especificidades do crime de “homicídio a pedido da vítima” tipificado no art. 134.º do Código Penal). Relativamente à ortotanásia (“eutanásia ativa indireta”) e eutanásia pas- siva – o direito de se opor ao prolongamento artificial da própria vida – em caso de doença incurável (“testamento biológico”, “direito de viver a morte”), podem justificar regras especiais quanto à organização dos cuidados e acom- panhamento de doenças em fase terminal (“direito de morte com dignidade”), mas não se confere aos médicos ou pessoal de saúde qualquer direito de abstenção de cuidados em relação aos pacientes (cfr. Resolução sobre a Carta
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