TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

489 acórdão n.º 121/21 arguido tem a sua liberdade mais afetada do que se não fosse arguido: o seu círculo de direitos fundamentais está, necessariamente, mais comprimido do que estava antes de se sujeitar a tal condição processual”. Já para o recorrente B., a questão crucial é, precisamente “a de saber se os atos de constituição de uma pessoa como arguida e a consequente prestação de TIR contendem ou não com direitos fundamentais. In casu , o Senhor Juiz de Instrução Criminal entendeu que tais atos afetariam os direitos fundamentais de liber- dade e de deslocação. Ao inverso, o acórdão recorrido sustenta que não há qualquer restrição relevante a um direito fundamental”. Ora, o seu entender é que há diversos direitos fundamentais afetados, designadamente, um “constrangimento severo causado à reserva da intimidade da vida privada e familiar, cuja salvaguarda constitucional consta do art. 26.º, n.º 1, da Lei Fundamental, uma vez que o arguido passará a ter de parti- lhar informação a partir da qual se poderão inferir rotinas profissionais, locais de férias, opções de lazer e até necessidades de saúde, o que reforça a necessidade do controlo judicial”; além disso, prossegue “não pode ser posto em causa que o ato de constituição de alguém como arguido é susceptível de afetar os seus direitos, designadamente o direito ao desenvolvimento da personalidade, à cidadania e ao bom nome e reputação”. Contra-argumenta o Ministério Público, alegando, em suma, que as “normas que regulam a constitui- ção de arguido (...) per se ou por via da sua aplicação, se revelam insusceptíveis de violarem quaisquer direitos fundamentais, designadamente os invocados direito à liberdade ou direito de deslocação e emigração” e que tal ato “não só não comprime quaisquer direitos dos cidadãos visados como, pelo contrário, lhes concede os direitos processuais previstos no artigo 61.º do Código de Processo Penal”. 17.2. Entende-se que assiste razão ao Ministério Público, atenta a posição processual do arguido, enquanto sujeito do processo penal, e considerando os direitos e deveres que a lei lhe confere. Vejamos. Com a constituição de arguido, o sujeito processual deixa de ser um mero suspeito e passa a gozar de uma posição, no quadro do processo penal, que visa dar-lhe mais garantias, nos planos da defesa e da possi- bilidade de intervenção no curso do próprio processo. Nas palavras de Maria João Antunes, “trata-se de uma posição processual que lhe permite uma participação constitutiva na declaração do direito do caso concreto, através da concessão de direitos processuais autónomos, legalmente definidos, que deverão ser respeitados por todos os intervenientes no processo penal (entre outros, artigos 60.º e 61.º, n.º 1, do CPP)” (cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2018). 17.2.1. O estatuto processual do arguido assenta em três princípios fundamentais, dos quais decorrem direitos relevantes e alguns deveres. Em primeiro lugar, vale, em relação a ele, o princípio da presunção de inocência. Sobre este princípio fundamental, com assento constitucional, resumiu, recentemente, o Acórdão n.º 284/20: «O significado do princípio da presunção de inocência não se esgota nas regras sobre a apreciação da prova. Longe disso. Proclamado no artigo 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, sobretudo como abusos do passado, com o sentido de exigir a não presunção de culpabilidade, acabou por ser reconhecido nos sistemas jurídicos de diversos países e consagrado em instrumentos de direito internacional (cfr. o artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; o artigo 6.º, § 2, da CEDH; o artigo 14.º, n.º 2, do Pacto Inter- nacional sobre os Direitos Civis e Políticos; e o artigo 48.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia). Hoje está fundamentalmente em causa o reconhecimento do valor ético próprio de cada ser humano, daí resultando consequências para toda a estrutura do processo penal, «que, assim, há de assentar na ideia-força de que o processo deve assegurar todas as necessárias garantias práticas de defesa do inocente e não há razão para não considerar inocente quem não foi ainda solene e publicamente julgado culpado por sentença transitada em julgado» (vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. , anot. X ao art. 32.º, pp. 722-723). Tal princípio encontra-se consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, no qual se dispõe que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais

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