TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

488 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 16. Tudo o que até agora se disse permite estabelecer as premissas fundamentais em que assentará o juízo deste Tribunal Constitucional, mas não permite, por si só, uma decisão definitiva sobre o problema em causa no presente recurso. Isto porque, mesmo admitindo como única tese constitucionalmente conforme a que se inclina no sentido de uma leitura ampla dos poderes de controlo do Juiz de Instrução Criminal, não encontramos uma resposta definitiva para a questão de constitucionalidade que aqui se coloca. Na verdade, a resposta a essa questão exige a determinação de existência ou não de uma afetação em sentido restritivo dos direitos fundamentais pelo ato de constituição de arguido e consequente imposição obrigatória de termo de identidade e residência – que são os atos concretamente em causa no processo a quo, e que integram a formulação da norma questionada. Se essa afetação existir, a norma em crise viola, de facto, e em qualquer caso, não só a reserva jurisdicional constitucionalmente imposta, mas também, como alegam os recorrentes, os direitos fundamentais de acesso ao direito, tutela jurisdicional efetiva e de garantias de defesa em processo penal. Assinale-se, desde já, um importantíssimo pressuposto: este Tribunal Constitucional tem uma com- petência de fiscalização exclusivamente normativa. Isso implica que a fiscalização de constitucionalidade que lhe compete respeita a normas jurídicas e não a casos concretos, não havendo, no sistema português de garantia da Constituição, figura semelhante ao recurso de amparo. Recorde-se, a este propósito, o Acórdão n.º 633/08: “é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Ver- fassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub specie constitutionis , a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformi- dade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida”. Cabe, portanto, aqui, analisar o potencial restritivo dos atos de constituição de arguido e de imposição do termo de identidade e residência abstratamente considerados, despidos de quaisquer elementos concre- tos, que possam ter ocorrido neste ou em qualquer outro processo particular. Ou seja, o que ao Tribunal Constitucional pertence, na distribuição sistémica de competências dentro do sistema jurisdicional, é avaliar se aqueles atos são sempre, pela sua própria natureza, necessariamente, lesivos ou, pelo menos, de tal forma condicionantes dos direitos fundamentais dos arguidos que devam, sempre e necessariamente, poder ser objeto de apreciação jurisdicional imediata, a cargo do Juiz de Instrução Criminal. Como é evidente, este juízo, de natureza normativa, não impede que, em cada caso concreto, e em relação a estes atos ou a quaisquer outros praticados pelo Ministério Público no decurso do inquérito, pos- sam existir afetações pontuais e definidas de direitos fundamentais, de tal maneira gravosas que reclamem a intervenção do Juiz de Instrução Criminal. Todavia, isso pressupõe um juízo concreto, que cabe aos tribunais competentes em matéria criminal, e não ao Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade. 17. Impõe-se, assim, agora, responder à questão: o ato de constituição de arguido, abstratamente con- siderado, restringe direitos fundamentais de forma a reclamar a intervenção do Juiz de Instrução Criminal? Os recorrentes entendem que sim. 17.1. O recorrente A. diz mesmo, nas suas alegações de recurso que a “constituição de Arguido apresenta um evidente carácter restritivo de direitos fundamentais”, pelos deveres jurídicos que acarreta, pela “sensível compres- são da honra dos visados”, em particular quando se trate de processos com especial projeção mediática”. “A vida pessoal, social e profissional do arguido”, escreve o recorrente, “sofre uma verdadeira convulsão pelo facto de este adquirir tal estatuto processual”, que tem, além disso, consequências económicas adversas, quer devido à poten- cial perda de rendimentos profissionais, quer devido às despesas com a defesa. Não há dúvida, conclui “de que o

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