TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
486 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o modelo constitucional de divisão de funções entre a magistratura judicial e a magistratura do Ministério Público (cfr. artigos 32.º, n. os 4 e 5, e 219.º da CRP). Por isso, o momento adequado para apreciação jurisdi- cional dos atos do Ministério Público – que não estão, como é evidente, a ela imunes – terá lugar, em regra, e dentro da arquitetura do sistema, na fase de instrução, de acordo com os preceitos legais que a regem. Esta deve funcionar como um mecanismo de comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de encerrar o inquérito, devendo igualmente ser de controlo exclusivo pelo Juiz de Instrução Criminal, cuja intervenção, limitada, na prévia fase de inquérito, lhe permite conduzi-la sem pré-juízos decisivos. Assim, um excessivo protagonismo do Juiz de Instrução Criminal, durante o inquérito, que lhe atri- buísse um âmbito de competência alargado, permitindo a reapreciação jurisdicional de todos, ou quase todos, os atos praticados pelo Ministério Público (sempre sem prejuízo de apreciação em sede de instrução, segundo as regras próprias dessa fase processual), significaria uma inversão do paradigma constitucional- mente estabelecido. De facto, isso equivaleria, em grande medida, a entregar a direção do inquérito ao Juiz, já não mais juiz das liberdades, mas sim juiz da acusação. Como, aliás, alega o recorrido nos presentes autos, o Juiz de Instrução Criminal estaria, assim, a co-exercer “o poder de iniciativa do Ministério Público”, “par- ticipando no exercício da ação penal, restringindo desproporcionadamente faculdades ínsitas nos princípios do acusativo e da autonomia do Ministério Público”. Todavia, e como também repetidamente se afirmou na jurisprudência constitucional já citada, nada do que se disse afasta as garantias de defesa constitucionalmente garantidas, em particular em matéria de direitos fundamentais. 15. Neste encadeamento, a segunda premissa necessária ao presente juízo, e diretamente relacionada com a primeira, diz respeito à leitura constitucional dos poderes do Juiz de Instrução Criminal. Ou seja, está em causa o significado do princípio constitucional da reserva de função jurisdicional (ou reserva de juiz) e o conjunto dos atos que se incluem no seu âmbito de competência. Na sua definição, impõe-se a compatibili- zação do disposto nos artigos 202.º e 32.º, n.º 4, da CRP com o princípio da estrutura acusatória do processo (n.º 5 do artigo 32.º da CRP) e a tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP). 15.1. A este propósito, parecem desenhar-se, na jurisprudência e na doutrina, duas teses divergentes. Uma primeira tese, quanto à extensão dos poderes jurisdicionais do Juiz de Instrução Criminal durante o inquérito, sustenta que o mesmo só tem competência para intervir nos casos expressa e taxativamente tipi- ficados nos artigos 268.º e 269.º do CPP. Qualquer ato que não esteja incluído nesse catálogo, situar-se-á, necessariamente, fora do seu âmbito de competência, quer para a sua realização ou autorização, quer quanto à sua revisão a posteriori . Se se subscrever esta tese, o Ministério Público terá, assim, durante o inquérito, competência exclusiva para apreciar nulidades e irregularidades de quaisquer atos que se situem fora do catálogo constante dos artigos 268.º e 269.º do CPP. O controlo jurisdicional desses atos só pode, pois, ter lugar nas fases seguintes do processo, a saber, a instrução ou o julgamento, que têm natureza judicial, sendo dirigidas por um juiz. Esta visão sustenta-se na compatibilização do princípio constitucional da autonomia do Ministério Público (artigo 219.º, n.º 2, da CRP) e noutros princípios estruturantes do processo, designadamente, o princípio acusatório e a titularidade pelo Ministério Público da ação penal (artigo 32.º, n.º 5, e 219.º, n.º 1, da CRP). Para esta posição, a intervenção do Juiz de Instrução Criminal na fase de inquérito afigura-se excecional, devendo acontecer apenas relativamente a atos lesivos de direitos fundamentais, previamente considerados como tal pelo legislador. No mais, a direção do inquérito caberá ao Ministério Público. Uma segunda tese, que lê com maior amplitude os poderes do Juiz de Instrução Criminal em fase de inquérito, sustenta que os princípios constitucionais da reserva de jurisdição e da tutela jurisdicional efetiva impõem uma interpretação mais flexível do princípio da reserva de juiz, no que respeita a limitações de direi- tos fundamentais que tenham lugar na pendência do inquérito. Ou seja, levada a sério, esta tese implica a
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