TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

485 acórdão n.º 121/21 só pode intervir, durante o inquérito e em relação a atos praticados pelo Ministério Público nos casos taxativa- mente previstos na lei”, ideia que tem vindo a ser “abandonada”, porque é efetivamente insustentável no quadro de um Estado de direito”. O problema que aqui se coloca reside, pois, em saber se seria constitucionalmente admissível “que a ação do Ministério Público fosse excluída do controlo judicial (e, por isso, da reserva de com- petência do juiz de instrução), quando se esteja perante a violação de direitos fundamentais)”, consequência que o recorrente entende decorrer da decisão recorrida, com fundamento na norma aqui questionada. O recorrido, Ministério Público, pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da solução normativa atacada, assinalando a necessidade de concordância prática entre os direitos de defesa do arguido, no processo, e outras normas e princípios constitucionais relevantes: “num caso como o que se discute no presente recurso, sendo certo que a Constituição consagra, no seu artigo 32.º, n.º 1, o direito subjetivo de ver genericamente asseguradas, em sede de processo criminal, por um órgão jurisdicional (artigo 202.º, n.º 2), todas as garantias de defesa, não é menos certo que tal direito não estabelece que todas as decisões, em todos os momentos processuais penais, sejam judicialmente impugnáveis e, bem assim, que no confronto com outros direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos não devam (como acontece com qualquer outro direito fundamental), por força da aplicação do princípio da harmonização ou da concor- dância prática, sofrer uma contração que conforme, por via da ponderação, uma distribuição proporcional dos custos do conflito entre direitos fundamentais ou da colisão destes com outros bens constitucionalmente protegidos”. A solução do caso impõe o estabelecimento prévio de várias premissas. 14. A primeira diz respeito ao lugar constitucional do Ministério Público e à admissibilidade, face à Lei Fundamental, da arquitetura processual constante do Código de Processo Penal. Sobre essa matéria, como acima se deu conta, já este Tribunal Constitucional longamente se pronunciou, tendo estabelecido uma orientação em relação à qual, desde já se adianta, não se veem razões para alterações. A fase de inquérito e a repartição de funções entre Ministério Público e Juiz de Instrução Criminal constituem temas delicados e fortemente debatidos, na jurisprudência e na doutrina. Prendem-se, aliás, com a definição do significado da estrutura acusatória do processo penal, exigida por força do disposto no artigo 32.º, n.º 5, da CRP, que consagra o princípio do acusatório. Recorde-se, neste ponto, o Acórdão n.º 23/90, acima parcialmente transcrito, que taxativamente reco- nhece que “a estrutura acusatória exige diferenciação entre o órgão que investiga e (ou) acusa e o órgão que julga”. O mesmo ensinam J. J. Gomes Canotilho e V. Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 522), quando afirmam que a “densificação semântica da estrutura acusatória faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjetiva (entidades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjetivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador”. Nestes termos, o Ministério Público emerge do desenho jurídico-constitucional como um órgão de jus- tiça independente e autónomo que, entre outras atribuições, exerce “a ação penal orientada pelo princípio da legalidade” (artigo 219.º, n.º 1, da CRP). A partir desta atribuição constitucional específica, combinada com o princípio do acusatório, recorta-se o estatuto do Ministério Público enquanto único sujeito processual com intervenção necessária no processo (já que este pode ser arquivado sem que tenha ocorrido qualquer constitui- ção de arguido ou intervenção judicial) e poder exclusivo de direção do inquérito. Alguma doutrina refere-se mesmo a uma reserva de Ministério Público no processo penal, que impõe o respeito pelas funções próprias e pela autonomia daquele, em termos que determinam a exclusão, por violação da Constituição, de qualquer solução legal que coloque “o Ministério Público na dependência processual do juiz” (neste sentido, veja-se, P. Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 51-52). Neste contexto, a intervenção do Juiz de Instrução Criminal em sede de inquérito deve pautar-se por um princípio da intervenção enquanto juiz das liberdades (e não como juiz de investigação), respeitando

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