TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
484 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conduzir a uma distribuição de competências entre juízes (e quiçá, de tribunais) em função do carácter jurisdicio- nal ou não jurisdicional dos atos a praticar – sem qualquer assento constitucional –, seria menos racional, já que obrigaria o juiz do inquérito a pedir, quanto à prática de certos atos, autorização a outro juiz. A conclusão decorre do carácter imperativo dos artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 222.º, n.º 5, da Constituição, que estabelecem a imparcialidade e a independência dos juízes. Sem estas características, aliás, ficaria irremediavel- mente posto em crise o conceito de “tribunal” e a ideia de Estado de direito (artigo 2.º)». 12. Da questão concreta de constitucionalidade Chegados a este ponto, cabe, agora, enfrentar a concreta questão de constitucionalidade colocada pelos recorrentes. Recorde-se que o objeto do presente processo foi fixado como sendo o seguinte: a interpretação normativa dos artigos 17.º, 53.º, n.º 2, alínea b), e 269.º, n.º 1, alínea f ) , do CPP, segundo a qual está sub- traída ao Juiz de Instrução Criminal a competência para conhecer das invalidades processuais dos atos de constituição de arguido e aplicação de TIR, praticados pelo Ministério Público. Temos, pois, que confrontar esta norma, que sustentou a decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com os parâmetros jurídico-constitucionais relevantes, designadamente, os assinalados pelos recor- rentes, a saber, a reserva de função jurisdicional em matéria de administração da justiça (fundada no disposto no artigo 202.º da CRP) e os direitos de defesa do arguido, quer especificamente no quadro do processo penal (nos termos do artigo 32.º da Constituição), quer como manifestação dos direitos fundamentais de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (consagrados no artigo 20.º da CRP). 13. O que os recorrentes questionam ao alegarem que o facto de se entender que o Juiz de Instrução Criminal não tem competência para, durante o inquérito, conhecer das invalidades processuais dos atos de constituição de arguido e aplicação do TIR é, no fundo, a arquitetura jurídica do processo penal, o papel daquele juiz e o papel do Ministério Público, enquanto titular da ação penal e condutor do inquérito. Não é uma questão menor. Afirma o recorrente A., nas suas alegações de recurso, que, qualquer que seja a leitura que se faz da “con- figuração da intervenção do Juiz de instrução na fase pré-acusatória do processo relativamente aos atos que restringem direitos fundamentais”, sempre se imporá um juízo de inconstitucionalidade da norma que não lhe reconhece competência para os avaliar. Ou seja, entende este recorrente que uma “leitura mais exigente dessa reserva porque mais marcada pela sua origem histórica e significado global e também, ainda assim, pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, a interpretação mais natural será a de que os atos que se prendem com direitos fundamentais são da competência de um Juiz, o qual terá de os autorizar ou mesmo praticar” – no fundo, segundo esta tese, todos os atos de inquérito potencialmente lesivos de direitos funda- mentais caberiam, por competência própria, ao Juiz de Instrução Criminal, não podendo ser sequer prati- cados, em primeiro lugar, pelo Ministério Público. Ao incluir – como inclui o recorrente – os atos de cons- tituição de arguido e consequente imposição obrigatória de termo de identidade e residência na lista de tais atos, ficaria evidente a inconstitucionalidade da arquitetura sistémica e da repartição de funções entre Juiz de Instrução Criminal e Ministério Público desenhada pelo Código de Processo Penal. Todavia, prossegue o recorrente na sua argumentação, e ainda que assim não se entenda, sempre será “absolutamente indeclinável a possibilidade de suscitar a avaliação e decisão judicial da legalidade do ato de constituição de arguido e da sujeição a TIR”, isto é, mesmo que se admita a constitucionalidade da atual posição processual e dos poderes conferidos pela lei ao Ministério Público, terá, em qualquer caso, de se reconhecer que a Constituição impõe que todos os atos praticados por este podem ser, a cada passo, e durante o próprio inquérito, levados à (re) apreciação do Juiz de Instrução Criminal. Isso decorre, no seu entender, precisamente, da reserva de função jurisdicional e da necessidade de garantir a possibilidade de intervenção de um juiz sempre que o cidadão sinta os seus direitos fundamentais afetados por um ato da autoridade pública. Por seu turno, o recorrente B. entende, a este respeito, que o papel constitucionalmente reservado ao Ministério Público, pela norma do artigo 219.º da CRP, não permite a afirmação de que “o juiz de instrução
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=