TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
483 acórdão n.º 121/21 2 – Na verdade, a estrutura acusatória exige diferenciação entre o órgão que investiga e (ou) acusa e o órgão que julga, o que se verifica no regime processual vigente, inclusivamente se outra fosse a solução a conceder ao problema anteriormente debatido. Observam, a este respeito, Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Ano- tada, Coimbra Editora, Coimbra, vol. 1.º, 1984, p. 217): A «densificação» semântica da estrutura acusatória (n.º 5, 1.ª parte) faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjetiva (entidades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjetivo, significa a diferen- ciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e o órgão acusador. […] Não se infira, porém, que a estrutura acusatória do processo penal posterga as garantias de defesa que constitu- cionalmente – n.º 1 do artigo 32.º – lhe compete assegurar, nomeadamente no campo dos direitos fundamentais. Nesta área, sente-se de modo particular a necessidade de atribuir aos arguidos meios legais de intervenção compensatórios do desequilíbrio em que se encontram face à acusação, como se observa no Acórdão n.º 150/87 ( Diário da República , II Série, de 18 de setembro de 1987). Reconhecendo que a «orientação para a defesa» do processo penal não o aceita neutro em relação aos direitos fundamentais, nem por isso, a essa luz, o artigo 263.º do CPP parece afrontar o texto constitucional: é a conclusão que deve retirar-se considerando as cautelas que a vigente arquitetura processual penal adoptou quanto à preserva- ção do núcleo dos direitos fundamentais, como se procurou sublinhar supra ”. Esta orientação jurisprudencial foi reiterada nos Acórdãos n. os 334/94, 517/96, 610/96 e 694/196. O Acórdão n.º 581/00, sobre norma distinta, também se ocupou, porém, da problemática da posição e competên- cias do Ministério Público durante o inquérito, tendo sido então afirmado, com interesse para o presente caso: «De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 219.º da Constituição, ao Ministério Público compete exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade. Esse exercício é regulado pela lei e, como decorre da remissão contida neste preceito para o número seguinte, acarreta um estatuto próprio do Ministério Público e a sua autono- mia (ambos também regulados pela lei). Do n.º 1 do artigo 219.º da Constituição pode retirar-se que o exercício da ação penal pelo Ministério Público comporta a direção e a realização do inquérito por esta magistratura, não se cingindo esse exercício à sustentação da acusação em juízo (neste sentido, veja-se, nomeadamente, o já referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 517/96, de 28 de março de 1996; refira-se também J. Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal (O Novo Código de Processo Penal) , 1988, p. 8-9, quando afirma que o conceito de ação em processo penal só pode relevar se traduzir “[...] o ato de promoção da atividade tendente à realização do direito penal objetivo; vale dizer, num processo de estrutura acusatória, o poder-dever do ministério público de propor ao tribunal a apreciação de um tema atinente à realização de uma pretensão punitiva do Estado”; assinale-se, finalmente, do mesmo autor, Direito Processual Penal , 1.º vol., 1974, p. 396, na medida em que dá a entender que, quando a lei diz que o exercício da ação penal, ou seja, a promoção do processo penal, pertence a certa entidade, daí decorre que a lei também lhe quer atribuir a direção da instrução preparatória). […] Extrai-se daqui uma importante observação para o problema em análise: a presença do Ministério Público no inquérito visa assegurar a imparcialidade da entidade (juiz) que, antes do julgamento, procede à aplicação de certas medidas restritivas que podem colidir com direitos fundamentais do arguido. A sua exclusão do inquérito conduziria a um mal maior: a parcialidade do juiz (e só pode ser um juiz, como se disse) a quem compete decretar as tais medidas restritivas. E, quanto a este aspecto, não vale argumentar-se que tal mal maior podia ser obviado através da atribuição, no âmbito do inquérito, a um juiz das funções que não se prendessem com direitos fundamentais e a outro juiz das funções de carácter jurisdicional, que diretamente se prendessem com esses direitos. É que esta solução, além de
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